FOLHA SECA - Os mais retorcidos argumentaram que, no Porto, ser benfiquista era pior do que ser xenófobo, ou que Ana Gomes apoiou Rui Pinto no Benficagate.
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Esta crónica discorre brevemente sobre a futebolização da política e a politização do futebol, na sequência do resultado das eleições de domingo passado, sobretudo no Porto, em que foi notório o toque a rebate para impedir que o candidato xenófobo chegasse ao segundo lugar.
Vieram alguns elogios de Lisboa, mas também bocas condescendentes desvalorizando a diferença entre Ana Gomes e o tal candidato, atribuindo-a aos futebóis.
É verdade que estava em causa um play-off simbólico de apuramento para a Liga Nacional da higiene democrática, já que a taça estava entregue a Marcelo, mas a votação foi inequívoca, e pouco importa que lhe chamem útil. No resto do país, a diferença entre o segundo e o terceiro lugar foi resvés, com o interior simpatizando com o tal candidato, um interior que o Estado Central trata como rubrica de contabilidade, varrendo balcões da CGD, correios, tribunais, ao mesmo tempo que despeja milhões nos desmandos da banca. O interior sabe, sabemos todos, que não haverá culpados, e isso é um palheiro à espera da beata de cigarro. Pois bem, o fumador anda por aí - e é inveterado.
Exceptuando Leiria e Faro, o litoral votou Marcelo, e em Ana Gomes, a grande distância. É uma faixa mais politizada, mais jovem, menos permeável à banha da cobra, mas, mesmo aí, o segundo lugar esteve tremido até ao fim, com Lisboa à cabeça, onde o candidato xenófobo liderou até a contagem das freguesias mais populosas quebrar o empate embaraçoso que a noite anunciava. No Porto, contudo, a dúvida nunca se pôs, e demarcou uma cerca político-sanitária ao candidato que se encavalitou no futebol para se auto promover. Mas é inútil explicar os resultados com o futebol. Os mais retorcidos argumentaram que, no Porto, ser benfiquista era pior do que ser xenófobo, ou que Ana Gomes apoiou Rui Pinto no Benficagate. Como se os tripeiros fossem mais sensíveis aos humores futebolísticos do que às convicções. Ou como se os alfacinhas tolerassem um xenófobo por ser benfiquista, e só acordassem no último minuto para evitar o vexame. Esquecem que Rui Rio, mesmo de candeias às avessas com Pinto da Costa e o FCP, teve três maiorias autárquicas (de má memória, mas escolhas), ou que Rui Moreira navega uma segunda maioria escorado num movimento apartidário.
Notou-se um leve despeito por haver quem vote conforme o que vai sendo um luxo de civilização, a consciência, e deixe sem peias, no degrau da soleira, quem não é bem-vindo. Custa admitir que os resultados, mais do que mercearias de circunstância, incluam princípios caros a velhas tradições liberais. Terá sido por acaso que Humberto Delgado, quando desafiou Salazar, fez questão de começar a campanha eleitoral no Porto? A diferença no distrito para o terceiro foi de oito por cento, mas na cidade foi treze - goleada. Para uns, foi uma declaração de princípios, para outros, uma futebolada eleitoral. Tivesse Lisboa obtido este número e haveria um sobressalto heróico no Chiado. Que tal deixar a clubite à bola e a convicção à política?