A cultura de posição
<strong><em>PLANETA DO FUTEBOL - </em></strong>Os jogadores indispensáveis, mas "não comerciais", que crescem sozinhos em especialização quando o treinador lhes pede tudo.
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1 - A época terminou e é possível olhar mais calmamente para muitos elementos (coletivos e individuais). Desde sempre fui adepto dos especialistas, em vez dos polivalentes como opção em qualquer lugar. Gosto de ver a chamada cultura de posição, saber dominar espaços em especificidade dentro de um jogar coletivo.
Leio André Almeida a falar da época e, quando aborda os aspetos táticos em que sentiu diferença no seu jogo com a passagem de Rui Vitória para Bruno Lage, dizer: "Agora recebo a bola muito mais à frente e também tenho entrosamento com os companheiros, que, nos últimos jogos, em que estava debilitado fisicamente, me ajudaram muito."
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É no início da frase que sinto a evolução dum jogador sobre o qual sempre tivemos a ideia de que era uma adaptação à faixa direita da defesa, porque era como médio-pivô, ou até n.º 8 de contenção, que surgia por princípio e até nos jogos mais exigentes defensivamente.
2 - Essa sua utilização e a forma como os treinadores o viam no Benfica (desde Jesus) fizeram sempre dele um jogador híbrido, posicionalmente indefinido, que cumpria essas comissões táticas de serviço com a eficácia discreta (chamo-lhe "não comercial") que, no limite, terá até impedido a subida a nível de Seleção. Quando agora fala em receber a bola mais na frente, já noto o lateral a falar e não o polivalente. Fala da posição no sentido amplo. Fala dela nas transições defesa-ataque, quando antes se falava dele, jogando na mesma posição, só num momento de organização, a defensiva. Ou seja, agora vejo André Almeida como defesa-lateral-direito (as duas coisas), conforme o jogo pede. Já não o vejo como adaptação, ou o médio que ajuda a equipa. Agora, como ele refere, até é a equipa que acaba a ajudá-lo a ele.
3 - Não sei se este seu crescimento em especialização foi potenciado conscientemente por algum treinador ou se foi ele que, silenciosamente, o fez. Aposto na segunda hipótese.
"André Almeida cabou a época como dos melhores defesas a cortar e dos melhores laterais a subir (dar assistências)"
Acabou a época como dos melhores defesas a cortar e dos melhores laterais a subir (dar assistências). Enquanto o quiseram como polivalente, nunca foi um jogador completo; fazia várias posições, mas em nenhuma se sentia ele próprio.
Existem, claro, outros exemplos dessa luta dum jogador pela especialização. Repare-se que nada disto, pelo contrário, os impede (porque isso é obrigatório para perceber o jogo) de conhecer noções e segredos de outras posições.
O lateral-direito não deve "adormecer" quando treinador falar sobre o extremo-esquerdo; tem de estar com a mesma atenção. Só assim poderá depois ler o jogo todo e o que a sua equipa necessita. A diferença entre bons jogadores e bons jogadores... inteligentes tem quase sempre essa raiz.
Mudar a evoluir
Iniciativa e variabilidade: duas palavras para uma equipa, e jogador com a bola, jogar bem. No fundo, traduz-se em o adversário não saber o que ele vai fazer, se, por exemplo, um lateral, depois de receber a bola atrás, vai jogar para o extremo ou vai jogar para o central, ou se um médio-interior vai fazer um passe vertical ou abrir em largura de circulação.
A cultura tática pensando nas épocas de Wendel e Óliver
Um jogador que vi crescer a esse nível, nos conceitos de entender a maior variabilidade do jogo europeu em relação ao sul-americano, foi Wendel, no Sporting. Atenção que não falo em criatividade individual, falo em cultura tática.
Óliver teve um período no FC Porto em que parecia fazer essa evolução nas diferentes vertentes do seu jogar, mas depois travou (passou a jogar menos) e ficámos a meio caminho na certeza dessa solidificação de aculturação de novos fundamentos táticos (no caso, mais de ação sem bola, de pressão).
Claro que essa cultura está condicionada ao que o treinador deseja para a equipa, mas, em qualquer caso, há algo que o jogador depois nunca perderá: segurança no que faz naquelas circunstâncias.