PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
Corpo do artigo
1 - Os últimos jogos de fase de apuramento para o Mundial voltaram a confirmar que o futebol ainda conserva algumas das suas propriedades apaixonantes.
Pode um jogador sózinho conseguir levar até ao apuramento uma seleção, que por si só, não teria esse valor? Talvez. É assim que olho para a saga de Haaland dentro do onze da Noruega.
Tem os possantes cânones atléticos nórdicos, mas apesar do seus1,94m e 88kg não se impõe, no jogo, pela dimensão física. Não é, dentro duma seleção que assume jogar como equipa pequena em bloco-baixo, o nº9 possante que fica na frente sozinho à espera de receber bolas longas para lutar por elas corpo a corpo com os defesas adversários. Haaland é o inverso disso na inteligência de jogo que tem e obriga a ter quem joga perto dele. A força do seu futebol é exatamente a oposta e baseia-se na inteligência de movimentos para fugir às marcaçóes-choque e desmarcar-se nos espaços vazios, em diagonais curtas ou longas que apanham o "lado cego" do defesa. Depois, espaço conquistado, é mortífero a finalizar.
2 - O jogo contra a Holanda mostrou isso. A seleção norueguesa teve de defender quase o jogo todo com duas linhas de quatro atrás, mas sempre que saía para ataque rápido, usando a velocidade de Elyounoussi e a qualidade técnica no passe de Hauge e Odegaard, dois médios ofensivos que jogam muito, fazia pressentir logo a ameaça de golo, porque mal existia um linha de passe descoberta para Haaland, todos sentiam esse perigo iminente a aparecer.
Não conheço, nesse sentido, outra equipa que pareça tão perigosa quando está a defender com oito/nove homens atrás como o atual onze norueguês. É um paradoxo. Tal resulta do simples facto de saber que a qualquer momento eles podem recuperar a bola e com a transição rápida para o contra-ataque bem afinada, metê-la em Haaland. A distância mais curta para o golo é sempre a que existir entre ele e a baliza. Esteja onde estiver (e o bloco da equipa também).
Immobile faz muitos golos na Liga italiana, mas chega à seleção e move-se quase como um corpo estranho na frente de ataque. Custa-lhe encontrar o espaço e o tempo certo para arrancar, falha controlos de bola fáceis, o publico já não o ajuda e ele deprime-se. A sua essência de jogador é, apesar do muito que luta e corre (a tentar apanhar todas as bolas), muito mais reduzida do que a de mero avançado. Ou seja, apenas percebe pedaços do jogo. Olha para o adversário e consegue saber como fugir dele. Mas olha para a sua própria equipa e não a consegue entender.
3 - Estava com a cabeça nesta dicotomia do mecanismo motriz do jogo quando fui comentar a Espanha e deparo-me com uma equipa que não joga melhor porque é, neste momento, a equipa que mais luta contra ela própria. Eu explico.
Luís Henrique quer meter princípios novos no jogo de passe-posse apoiada da Espanha, mas sempre que o faz toca a essência desse estilo e a equipa perde a sua identidade de referência. Fica estilisticamente indefinida. O jogo no Kosovo foi exemplar, porque sendo de ataque continuado espanhol, viu-se melhor esse cenário na falta de jogo posicional correto (base de criação de sucessivas linhas de passe, circulares ou progressivas) e nas perdas de bola sem a imediata e correta reação, ficando desequilibrada defensivamente.
4 - Embora o futebol esteja a uniformizar muitos traços de estilo (a Itália mais solta, a Alemanha mais técnica, a Inglaterra mais apoiada) o que diferenciou o estilo da Espanha neste milénio e que a fez ganhar (e jogar bem) não pode ser o oposto do que agora a poderá fazer resgatar o bom jogo e títulos. Pelo contrário. Sem o estilo que a diferenciou nunca terá outra vez condições para chegar, sustentadamente, ao topo.
Sejamos, pois, coerentes com os melhores modelos. Jogadores e equipas. O futebol de Haaland (o belo monstro subtil) como o estilo da Espanha (o bom jogo posicional) são patentes registadas.