"A contratação de Mourinho pelo Benfica seria uma inversão estratégica na nossa liga"
SENADO - José Eduardo Simões, cronista de O JOGO, escreve hoje sobre a questão do comando técnico do Benfica, associando-a aos níveis de grandeza da liga portuguesa
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O namoro descarado do Benfica pelo regresso de Mourinho ao comando das águias esbarra na falta de vontade deste de treinar na liga portuguesa. Parece um noivado não correspondido. Recorde-se que a primeira experiência de Mourinho como treinador principal ocorreu há quase 20 anos nesse mesmo clube, consumando-se a saída com a eleição de Vilarinho e a sua escolha de Toni. Quem ganhou foram o União de Leiria e, sobretudo, o Porto, que conquistou a Liga Europa e a Liga dos Campeões em anos consecutivos. Mas isso é passado!
Hoje, os melhores e mais consagrados treinadores portugueses estão lá fora, com excepção de Sérgio Conceição (até quando?). Os melhores jogadores estão igualmente no estrangeiro. Bons directores desportivos, formadores de treinadores, técnicos de prospecção? Por todo o lado. Em Portugal só fica quem está a aparecer e a crescer, quem não consegue sair, quem não possui qualidade suficiente ou vontade de emigrar. A nossa Liga e a Federação não têm estratégia de afirmação internacional, e os nossos clubes não apresentam meios e capacidade para atrair quem possa ajudar a transformar o futebol profissional num player de primeira na Europa. A Juventus foi buscar Cristiano numa operação cara mas que se paga a si própria. Ganham o clube e todos os outros de Itália com o aumento de visibilidade. Mais receitas de TV, muito mais publicidade, marketing mundial. Mais impostos, que o Estado agradece, maior capacidade desportiva. Impacto muito positivo, sem qualquer dúvida!
A nossa Liga continua em trajectória descendente a nível de clubes. Deve questionar-se sobre o que quer ser e fazer se decidir inflectir este caminho que nos colocou numa 2.ª linha. O que somos hoje? Uma liga de remediados (menos 3), com falta de competitividade, sem relevo internacional ou penetração televisiva nos grandes mercados mundiais. É possível ser bem mais do que isso. Estabelecer objectivos ambiciosos, identificar forças e potencialidades, definir as melhores estratégias e, para que não fiquem apenas no papel que as consultoras apresentam e que servem para pouco ou nada, partir para a acção com timings apropriados.
A contratação de Mourinho pelo Benfica, a concretizar-se, seria uma grande jogada nessa inversão estratégica. De mestre, sem dúvida. Não era apenas o Benfica que recuperava um grande alento para tentar a conquista do título nacional e europeu. Era o futebol português que ganhava, com ele, relevo internacional, maior visibilidade, mais observação. O Sérgio teria um concorrente fortíssimo. O mundo de hoje é das plataformas de comunicação e da sua capacidade de vender produtos em todo o lado, mas em particular onde há dinheiro e procura. Ter cá três ou quatro treinadores de classe é fundamental (o regresso de Jesus daria algum sal); acrescentar-lhes jogadores que sejam mais-valias no campo desportivo, nas redes, no marketing, na venda de camisolas, na transformação da dimensão internacional do nosso produto (o futebol profissional) é indispensável. Começar mais cedo os campeonatos para aproveitar a vinda de emigrantes, fazer uma pausa a meio e levar os clubes para torneios no estrangeiro, realizar jornadas específicas nos Estados Unidos, no Médio Oriente e na China, onde os craques do futebol são objecto de adoração, é o passo seguinte.
Muito se pode e deve fazer, e Mourinho seria um alicerce extraordinário. Só duvido é que o Benfica consiga convencê-lo. Mas que aumentaria o interesse na nossa liga, lá isso é verdade!
Nota: O autor optou por escrever na ortografia antiga