TEORIA DO CAOS - Um artigo de opinião de José Manuel Ribeiro, diretor do jornal O JOGO.
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Em setembro, o clube mais antigo de Itália tornou-se o sétimo representante da Serie A na posse de cidadãos ou empresas norte-americanas.
O Genoa Cricket and Footbal Club foi vendido à empresa 777 Partners pelo fabricante de brinquedos Enrico Preziosi.
Pelos gabinetes de toda a Europa, portugueses incluídos, a pandemia espalhou a forte convicção de que as vendas de clubes são inevitáveis. Sim, incluindo em Portugal, e não forçosamente porque Sporting, FC Porto e Benfica se estejam a imaginar campeões europeus à custa dos contentores de dólares que vão chegar. Nenhum deles o diz, mas acreditam que as vendas acontecerão, mais tarde ou mais cedo, e também na Liga e na Federação essa intromissão estrangeira é vista como uma fatalidade.
O cowboy John Textor não aterrou no Benfica por acaso, e também não foi por acaso que Rui Costa resistiu a mandá-lo dar uma curva. Nos Estados Unidos, acreditam mesmo que o futebol, em determinadas condições, será um bom negócio, até em campeonatos intermédios. França, a Liga que mais sofreu com a pandemia pediu socorro à alta finança e já tem propostas de participação. Em Espanha, a firma Mapfre (a mesma dos seguros) criou há quatro anos um fundo de investimento chamado "Behavioral Fund" ("fundo comportamental", baseado na teoria da economia comportamental) e comprou pequenas participações no Ajax, no Lyon e no Borússia Dortmund. Há menos de duas semanas, anunciou um retorno de 35% no investimento. A própria Mapfre explicou recentemente como faz as suas escolhas, numa conferência em que desconstruiu o dogma de que o futebol é mau negócio. Para a firma, há cinco ideias erradas: que os clubes de futebol não fazem dinheiro; que investir neles é como jogar na lotaria; que a indústria é demasiado cíclica; e, finalmente, que os clubes são brinquedos de gente rica.
Os factos são que, desde 2017, o futebol europeu (graças ao fair-play financeiro) passou a dar lucro e que ligas como a espanhola conseguiram mesmo épocas de lucro quase pleno para todas as equipas participantes. As receitas das cinco principais ligas sobem, sem quebras, desde 1997 e, na misteriosa Bolsa, as ações do Stoxx Football Index crescem e valem bastante mais do que o Stoxx 600 (índice bolsista dos cotados europeus). O problema para os portugueses em particular são as condições a que a Mapfre aconselha atenção. O clube a comprar, ou no qual investir, tem de ter património imobiliário; não pode carregar um passivo demasiado grande e, mais importante, o investidor precisa de correr riscos também (se não o fizer, aí está um bom sinal vermelho para o investido). A questão do património explica em parte o empenho de Fernando Gomes e da FPF na candidatura conjunta ao Mundial"2030. Seria a oportunidade ideal para relançar aos maiores clubes portugueses, com estádios e centros de treino remodelados (património). Nada sucede por acaso.
De tudo o que vai dizendo, Textor está certo, pelo menos, num ponto. Os clubes espanhóis, como Real e Barcelona, que são pertença dos sócios e não sociedades por ações, já discutem o desperdício da Bolsa, ainda muito desvalorizada na Europa. As ações dos clubes sobem e descem ao sabor das emoções e não da lógica. Foi isso que permitiu à Mapfre perceber que há muitos clubes de futebol subavaliados (os portugueses são um caso óbvio). Levar as ações para a Bolsa de Nova Iorque afastá-las-ia dessa irracionalidade. Os investidores tenderiam a ver Ajax, Lyon e Borússia como a Mapfre: clubes com uma gestão imaculada, fontes de receita diferenciada e grande facilidade em lucrar com o mercado de transferências. Sporting, FC Porto e Benfica respondem apenas em parte a estas exigências, o que explica a chegada tardia de Textor. O FC Porto, sem um centro de treinos seu, seria até o pior colocado, apesar da folha de serviços. É que ela não interessa. À Mapfre, e se calhar a Textor, não incomodam os desempenhos desportivos fracos ou relativamente discretos dos seus clubes. Nas centenas de páginas que li não há uma única menção aos resultados dentro daquilo, como é que lhe chamam?, campo.