PLANETA DO EUROPEU - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Os primeiros sinais mostravam um jogo disputado em papel relvado quadriculado. Nenhuma equipa arriscava pressionar com medo de perder o controlo do espaço nas costas. Mesmo em sistemas diferentes, ambas defendiam compactas com Portugal a recuar um extremo.
Percebeu-se, no início, como Bernardo Silva (com a memória do jogo alemão) hesitava em ficar ou pegar no lateral belga mas embora as estruturas fossem as mesmas, as dinâmicas belgas eram muito diferentes. Em vez de meterem por dentro os segundos avançados (Hazard-De Bruyne) entre o nosso central e lateral, faziam-nos recuar para romperem desde trás, o que permitia a Thorgan Hazard, lateral-esquerdo, fazer diagonais curtas (marcou assim).
O jogo interior de Portugal tinha a potência para sair através de Renato Sanches, para gerir através da disciplina de Moutinho, com Palhinha a guarda-costas (fazendo faltas) mas, depois, a bola não saía limpa para os nossos flancos, onde estaria o nosso único poder de desequilíbrio criativo um-para-um.
2 - Com a entrada de João Félix para jogar solto pelo centro-direita, o jogo passou a ser disputado como se fosse uma tela em branco para os nossos criativos pintarem (também já com Bruno Fernandes).
A Bélgica (perdido De Bruyne, lesionado) passou a jogar na expectativa. Recuava linhas e mostrava a face mais séria do seu processo defensivo, fixando laterais na defesa a 5 (esperando o contra-ataque). Só respirava nos momentos em que Hazard tinha a bola e marcava outro ritmo no jogo.
Com André Silva, a frente de ataque portuguesa pressionou ao máximo os três centrais belgas, que em bloco baixo tiraram de frente todas as bolas cruzadas. Foi o jogo mais defensivo da Bélgica, que, incapaz de controlar o jogo, passou a segunda parte a segurar o resultado defendendo em 30 metros.
3 - Durante muito tempo tivemos demasiado receio de subir as linhas temendo o contra-ataque belga. A tanto volume ofensivo português, com tantos remates, faltou, porém, sempre lógica de construção em posse continuada. Quando quisemos atacar tendo tanta bola não existia uma ideia de jogo para o fazer.
Fernando Santos mudou, ao logo do tempo, todas as peças do ataque (tirando, claro, Ronaldo), das faixas ao centro, mas com uma anarquia ofensiva para a qual não estava programada. O futebol da nossa seleção está preparado para outro jogo. O que aconteceu na primeira parte. Encaixar no adversário e depois ter um lance de ataque para ganhar. Era assim que estaria mais próxima de vencer.
O jogo a que foi obrigada na segunda parte era estranho para a equipa portuguesa. Por isso, tantos ataques, tantas bolas cruzadas e a falta de critério em (quase) todas as jogadas. Mesmo na bola ao poste rematada com o pé direito de Raphael Guerreiro.
Dinamarca: a dinamite e as fadas
Todos nós ficamos a ser um pouco da Dinamarca. O coração, futebol e vida, suspenso de Eriksen aproximou-nos emocionalmente daquele grupo. A explicação é simples: é muito mais fácil transmitir uma emoção do que uma ideia.
Os jogos seguintes, porém, acrescentaram essa ideia em forma de futebol jogado. As vitórias sobre a Rússia e Gales mostraram uma equipa que joga dando valor à oportunidade de poder ser feliz em campo. Revelou um novo criativo (Damsgaard, com técnica em invasão de espaços e remate), uma organização coletiva interligada (Hojbjerg-Delaney equilibram, respetivamente, como recuperador e condutor desde trás), os flancos dão coisas diferentes (o lateral-direito Maehle, completo, destaca-se a defender e atacar), a posição n.º 9 com um habitante falso ou verdadeiro (Dolberg passa de aparentemente inofensivo a ameaça séria à medida que a bola se aproxima dele) e em termos de sistema a versatilidade para mudar do 4x3x3 (como jogou no primeiro com Finlândia) e o 3x4x2x1 (com três centrais fortes, Christensen-Kjaer-Vestergaard) que desfez Gales e Rússia, mostrando criatividade tática-coletiva.
Após a seleção-dinamite dos anos 80 e o conto de fadas de 92, a Dinamarca volta a tocar no coração mais emocional do futebol.