O treinador finge que tem respostas. Os jornalistas fingem que acreditam. Os adeptos fingem que perceberam
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A crónica de hoje recai sobre as reconfortantes conferências de Imprensa. Aquelas cadeiras de plástico, os microfones com patrocínios e um treinador visivelmente cansado a repetir frases que já ouvimos 37 vezes esta época - e todas as outras desde que começámos a ligar à bola.
É um ritual quase litúrgico. Os jornalistas fazem perguntas que sabem que não vão ter resposta. Os treinadores respondem como se estivessem em tribunal, mas num julgamento em que ninguém está verdadeiramente a ser acusado de nada.
— “Míster, o que falhou hoje?”
— “Faltou-nos eficácia.”
Essa frase, dita com ar grave e boné patrocinado, é o pão nosso de cada jornada. O futebol tem os seus dogmas. E as conferências de Imprensa são a sua missa.
Claro que “faltou eficácia”. Como sempre. Nunca falta talento, nunca falta treino. Falta eficácia. E, em casos extremos, atitude. Se foste goleado, a culpa é da atitude. Que é o mesmo que dizer que o problema é do signo do lateral esquerdo.
O futebol criou uma linguagem própria para dizer pouco, mas parecer muito. É a língua oficial das conferências de Imprensa.
Chamemos-lhe futebolês diplomático. Uma espécie de esperanto onde tudo pode significar tudo, mas, na verdade, não significa nada.
— “Sabíamos que ia ser difícil.”
É a frase inaugural. Serve para qualquer jogo, seja contra o PSG ou contra o Recreativo da Charneca.
— “O grupo está unido.”
Quando esta frase aparece, o grupo está prestes a explodir.
— “Temos que levantar a cabeça.”
Ninguém levanta a cabeça. Limitam-se a andar cabisbaixos para o balneário, onde está o verdadeiro departamento de Psicologia: a coluna de som com o DJ de serviço da equipa.
— “Os jogadores deram tudo.”
Se deram tudo, há um problema: o “tudo” era pouco.
E há também a versão pós-vitória:
— “O mais importante foram os três pontos.”
Esta frase tem a mesma profundidade que dizer “o mais importante de comer bacalhau é ficar alimentado.” É factual. Mas não é um pensamento.
Já o jornalista, esse herói trágico, que muito respeito, insiste:— “Míster, por que razão optou por tirar o ponta-de-lança aos 60 minutos? ”E o míster responde com um mistério:— “Foi uma opção estratégica.” Claro. Melhor que dizer: “Estava farto de o ver tropeçar na bola.”
Há também aquela frase usada quando tudo correu mal, mas convém fingir que correu bem:
— “Tirando os golos sofridos, fizemos um bom jogo.”
É uma espécie de elogio fúnebre à prestação da equipa. Como dizer “o carro ficou destruído, mas os estofos estavam impecáveis”. O futebol tem destas verdades paralelas — onde o importante não é o que se passou, mas o que se pode dizer que se passou.
As conferências de Imprensa são, no fundo, um teatro onde todos conhecem o guião e o papel. O treinador finge que tem respostas. Os jornalistas fingem que acreditam. Os adeptos fingem que perceberam.
E no fim, todos partem em paz, com uma certeza: no próximo fim de semana há mais.
Mais um jogo, mais um resultado, mais uma conferência, e mais uma bela frase para bordar numa almofada:
“O importante é continuar a trabalhar!”