PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Pode ser estranho, na ambição pragmática da chicotada, mas (quase sempre) é mais difícil mudar a forma duma equipa jogar do que os seus resultados. Porque estes podem simplesmente mudar pelos caprichos da finalização. Agora, transformar a forma de jogar a meio da época (em plena competição) é mais complexo, sobretudo se o novo treinador quer mudar os hábitos adquiridos.
As chicotadas, do Marítimo ao Boavista, Seabra e Petit. É mais difícil mudar a forma duma equipa jogar do que os seus resultados
É o caso de Vasco Seabra no Marítimo, uma equipa com um estilo demasiado enraizado (quase cultura de clube, tal a forma com passou por treinadores tão diferentes, de Lito a Velázquez), sempre em bloco recuado, plantada atrás da linha da bola, sem intenção de posse, quase estranhando a bola quando a tinha.
Foi, por isso, curioso ver o confronto (no seu segundo jogo no banco insular) com outra equipa também a querer mudar, o Boavista, que estreava Petit. Neste caso, porém, a mudança ambicionada joga com outros fatores. O antecessor, João Pedro Sousa, é um devoto da posse mas este onze axadrezado não tem jogadores para isso. Foi o caso clássico da identidade dum treinador vencido pelas circunstâncias (às quais não quis ceder).
2 - A ideia que se criou do treinador-Petit é a oposta, de ser um devoto da pressão e raça. Tem sido, na verdade, assim, na maioria das suas equipas mas muito pelas tais... circunstâncias (jogadores ao dispor) mais do que pela sua vontade em jogar outro tipo de futebol mais apoiado. Não terá (como não teve neste primeiro jogo) essa veleidade neste Boavista, mas a opção de jogar num sistema de três centrais com apenas dois médios-centro, expõe demais as fragilidades da equipa para poder controlar os jogos. Talvez por isso, por não ter dilemas táticos estéticos como antes mostrou, Petit (mesmo cedendo a como gostaria de jogar) possa ser o treinador certo para ir em busca de resultados.
3 - Seabra já é diferente. Quer mudar o Marítimo a partir da raiz e tem argumentos para isso: bons jogadores que podem jogar (em posse) um jogo diferente do anterior. Viu-se no Bessa. Sofreu cedo e reagiu pegando na bola e no jogo o tempo restante.
Não será fácil tornar este Marítimo rapidamente numa equipa de posse, mas ter como raiz querer ter a bola (vê-la como meio para ganhar e não ameaça para perder) é o ideal para a tirar das cavernas defensivas do passado e dar-lhe outra vida estilística. Jogadores como Diogo Mendes, Beltrame, Vidigal ou Guitane justificam isso.
No fim, serão sempre os resultados a ditar sentenças mas antes disso está o tipo de jogo que faz uma equipa. A identidade e suas circunstâncias. A ordem que distingue os pontos em que, respetivamente, mais têm de incidir Seabra e Petit para mudar Marítimo e Boavista. Os resultados seguirão essas pistas.
A crise de jogo do Famalicão
Analisar a crise de jogo (e resultados) do Famalicão não é fácil de entender vendo a qualidade técnica-criativa dos avançados (Banza, Ivan Jaime, Ivo Rodrigues, Marcos Paulo...) mas já é percetível olhando as insuficiências do meio-campo. É onde nascem os desequilíbrios do processo defensivo e a falta de zona de construção ofensiva. Vendo o jogo com o Gil ("impossível fazer pior", disse Ivo Vieira) tal ficou evidente num 4x2x3x1 com a dupla Pickel-Pêpê (em que Brazão foi de médio-ofensivo para ala sem sucesso).
Só venceu assim no Bessa aproveitando o deficit ainda maior do Boavista nesse setor (ler texto em cima) mas tem sido o problema em todos os jogos. Juntar David Tavares (como frente ao V. Guimarães) sobe a agressividade mas torna o jogo mais físico numa equipa que quer jogar mais apoiado. Neste sistema, porém, não existem mais soluções para mudar o sector (Pickel tem limitações de início de construção e Pêpê fica preso atrás dum "10" como Jaime que não defende).
É um problema de plantel que mostra limitações para mexer no onze. Talvez a opção seja mudar o sistema (ou dar, em 4x3x3, outra variante). Um debate mais longo numa equipa que agrava a situação ao insistir numa primeira fase de construção a sair a jogar que a expõe a mais erros.
Modelos
Sagnan - Central longo
Um bom defesa-central cujas qualidades podem ser, nesta fase, muito visíveis numa equipa de nível médio-baixo como o Tondela, mas que a cada jogo mostra os seus traços de personalidade precoce (tem 22 anos), personalidade no corte e com bola, sempre em passada larga (1,87 m) e decidido. É o franco-maliano Modibo Sagnan (emprestado pela Real Sociedad, que o foi buscar ao Lens, onde se formou). Esteve nos Jogos Olímpicos pela França. Veremos a sua margem de progressão. Para seguir!
Tática - Santa Clara
O Santa Clara voltou a ganhar num jogo em que se percebeu como a equipa busca reencontrar identidade e tranquilidade. O desgaste das pré-eliminatórias da Conference League, a saída do goleador Carlos Júnior e a troca de treinador (Daniel Ramos já conhecia os vícios da casa) travou qualquer hipótese de repetir a bela época passada. Nuno Campos tenta refazer a equipa em cima disso. Mantém o 4x3x3 mas não pode subir o bloco como gostaria como princípio. Viu-se contra o Arouca. Com Cryzan e Rui Costa, tem armas para atacar a profundidade mas esta é uma equipa ainda indefinida. Joga entre dois conceitos em busca de algo sólido a que se possa agarrar para se relançar.
Belkheir - Com bases
Vê-se que sabe jogar, com técnica e sentido coletivo. É o franco-argelino Belkheir, 22 anos. Não o vejo nem na ala, nem como n.º 9 (locais onde joga mais vezes). Vejo-o como segundo avançado para jogar móvel atrás dum n.º 9 mais fixo porque sabe procurar espaços vazios, move-se bem e tem bom passe. Tem uma carreira intrigante para tanta qualidade, formado em Itália (Brescia, Verona, Inter e Torino, onde chegou a sénior), veio para Portugal (Sanjoanense), passou pelo Leixões e está na II Liga, no Vilafranquense.