1981-2019: o futebol do Rio continua lindo
Flamengo: da superior qualidade de jogo às viagens únicas em avião privado
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1 - Naqueles tempos maravilhosos era Zico. O início os anos 80 e um onze que os adeptos citavam de cor: Raul; Leandro, Marinho, Mozer, Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Lico e Nunes. Jogavam com uma poesia de passe e golo. Num mês, conquistaram três títulos: Carioca, Libertadores e Intercontinental. Nunca mais ninguém repetiu o feito.
Mas, de 1981 para 2019, o futebol do Rio continua lindo. Agora é outra equipa, reinventada por um treinador português alquimista, Jesus, que reacendeu o sonho da Libertadores para o Flamengo.
Entre estes dois tempos estão 38 anos. Agora é o onze de Bruno Henrique e Gabigol no ataque, Arrascaeta na esquerda e Everton Ribeiro na direita, William Arão e Gedson como volantes - bom meio-campo -, Rafinha e Felipe Luiz laterais a correr todo o flanco, e Caio e Pablo Marin no centro da defesa, com um guarda-redes que defende tudo: Diego Alves, a fazer sonhar a Gávea.
Citei a equipa do ataque para a defesa, que é um pouco como imaginamos esta equipa a jogar e como Jesus se preocupa com a transição defensiva. Isto é, se há algo onde esta equipa melhorou muito em relação ao tempo de Abel Braga é no poder de reação à perda da bola, a chamada "intensidade de recuperação", aquilo que faz um onze sempre concentrado e perto da bola quando não a tem. Depois, quando a recupera o critério de circulação e objetividade, nos últimos 25/30 metros a procurar passes de rutura (só possíveis com os movimentos de... rutura, feitos sem bola por outro jogador a desmarcar-se e a dar essa linha de passe).
2 - Este Flamengo marca uma diferença clara no atual futebol brasileiro, pelo que joga e pela forma como se estrutura fora dele para atingir grandes objetivos, disputando jogos de três em três dias sem perder poder físico. Não existem quebras, o que tem sido feito com uma rotação cirúrgico-eficaz de alguns elementos nos três sectores.
A recuperação, porém, quase sem tempo para treinar, é, desde logo, feita pelas condições que os jogadores têm como mais nenhum outro clube brasileiro com tantas viagens ao estrangeiro ou deslocações internas longas: é o único a possuir um avião privado para ir e voltar, com jogadores, já no regresso, descansando quase deitados, para não sofrerem o desgaste que antes tinham, com, por vezes, a loucura de três escalas e quase dois dias de viagem quando, por exemplo, tinham de ir jogar ao Chile. Este Flamengo é, em termos de equipa a jogar e clube em estruturação, um "upgrade" único no atual futebol brasileiro.
Da equipa de 81, para além de Zico (o "galinho" que fazia o que queria da bola, jogadores e adversários), tinha uma admiração especial por outro médio que brincava com a bola e fazia todos jogar: o Adilio, que craque! Andrade era mais o tempo de controlo e apoios. Como ponta de lança, Nunes era uma fera, nem muito evoluído tecnicamente, mas poderoso a arrancar, com uma cabeleira enorme que, juntando estilo e imagem, assustava qualquer defesa. Vejam os golos deles em Tóquio, a passes de Zico, claro, para bater o grande Liverpool, com 3-0 ao intervalo.
3 - No onze atual, os crescimentos que mais me impressionam, a nível de movimentação e posicionamento, são os de Bruno Henrique, avançado rápido, mas que agora trava, para e volta a arrancar com outra precisão e sentido de baliza, e de William Arão, fixando-se como o pivô, ou volante (como chamam no Brasil) de referência, passando de muito criticado pela torcida (Abel Braga, treinador anterior defendeu-o sempre contra todos e por isso ficou) para agora Jesus tirar o melhor dele, dando-lhe um maior conhecimento para se colocar, pressionar e bascular em função de onde a bola cai, sem perder a referência da zona de cobertura indispensável a um jogador que está a posição decisiva para o equilíbrio total da equipa.
A história de 81 continuará para sempre maravilhosa, mas a que se está a escrever em 2019 pode figurar (veremos a final com o River) numa página logo ao lado.