Todos os vírus se juntam. Baixotes ou gordos, todos.
A atualidade parou a tática e, em vez dela, falamos de valores supra-jogo e, nesse caso, devemos ser inflexíveis
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1 - Vivemos tempos estranhos ao ponto de ficar confuso ao escrever estas crónicas. A razão nasce duma inquietação: de que falamos exatamente quando falamos hoje de futebol? É verdade que esta dúvida metafísica já me vinha assaltando em tempos pré-pandemia mas, agora, aumentou naturalmente. Todos os vírus se juntam. Baixotes ou gordos, todos. Se falasse só de táticas e linhas (com linguagem científica ou poética) estaria a ser, como habitual, permissivo e criticável. Mas, não.
Num universo de mais de dois milhares de testes, surgir uma dezena positiva (assintomática) é absolutamente normal. O futebol sabe controlar-se, tem consciência e sabe o que necessita para sobreviver.
A atualidade parou a tática e, em vez dela, falamos de valores supra-jogo e, nesse caso, devemos ser inflexíveis. Falamos, primeiro, em respirar e, depois, em sobreviver. É neste ponto que está todo o futebol e, no plano de retoma das competições, ele sabe os riscos que corre e tem de correr. Não se trata de nenhuma atividade agiota descolada da sociedade. Poderá ter um funcionamento disfuncional quando a palavra ética desaparece a propósito das pessoas a quem abriu a porta para falar dele (sem o conhecer, nem respeitar) mas quando essa porta está fechada e quem fala são as "verdadeiras pessoas do futebol", sabemos bem (para além da espuma dos jogos) o que está verdadeiramente em casa.
A imagem e forma como os Presidentes dos três grandes se juntaram (com acordo de todos os outros clubes, sensíveis ao impacto dessa imagem), caminharam e sentaram-se lado a lado, conversando, tem uma força que, por si só, devia ser capaz de acabar com o vírus que anda a matar o futebol muito antes da pandemia.
2 - Ao "treino-covid" irá seguir-se o "jogo-covid". Medidas preventivas, organização filtrada, desportiva e sanitariamente, consciência vital de tudo (e atentos a qualquer "flatliner"). O futebol não vive na lua. A primeira consequência da desesperada procura por soluções em tempos nunca antes vividos, é a negação e a fuga. Mas, cada coisa no seu lugar. Em nenhum momento foram (ou serão) atravessados "terrenos de minas". A imagem e forma como os Presidentes dos três grandes se juntaram (com acordo de todos os outros clubes, sensíveis ao impacto dessa imagem), caminharam e sentaram-se lado a lado, conversando, tem uma força que, por si só, devia ser capaz de acabar com o vírus que anda a matar o futebol muito antes da pandemia. Esse é que, sinceramente, me preocupa. Porque para este irá surgir a vacina. Para o outro, devia aparecer a ética. Acho mais difícil surgir a segunda (a curto ou longo prazo).
Preocupa-me mais o vírus pré-pandemia. Para o atual irá surgir vacina. Para o outro, devia aparecer a ética. Acho mais difícil surgir a segunda
3 - Num universo de mais de dois milhares de testes, surgir uma dezena positiva (assintomática) é absolutamente normal. O futebol sabe controlar-se, tem consciência e sabe o que necessita para sobreviver. Já critiquei muito as gestões danosas dos clubes que, neste cenário de "tsunami-pandemia financeira", colapsaram logo no primeiro mês sem as receitas regulares. Outra coisa, porém, seria não reconhecer a capacidade de reação perante esse cenário. O grande desafio, no entanto, será o seguinte: o da regeneração estrutural.
O que senti vendo primeiro jogo
Em locais distantes, curiosa a forma como José Morais (treinador na Coreia do Sul, no Jeonbuk Motors) e Marco Matias (jogador no Belenenses, de regresso aos treinos) falaram das suas sensibilidades perante estes novos tempos do futebol. No fundo, ambos acabaram a dizer que, quando entram em campo, para jogar ou treinar, só se lembram do futebol antigo. O vírus como que desaparece das suas cabeças, com a voragem competitiva natural do jogo.
Por isso, José Morais, protagonista no primeiro jogo, da Liga sul-coreana, a disputar-se com as novas regras (sem publico nas bancadas, medidas de precaução várias, etc.) revelou que a razão para na segunda parte ter surgido no banco sem a mascara de proteção obrigatória, era por, pura e simplesmente, se ter esquecido e ninguém lhe ter chamado a atenção. Nem o quarto árbitro, e que deveria ser sancionado por isso.
Mais estranho mesmo, confesso, foi ver os festejos do golo. Depois dos jogadores terem lutado (sem distâncias sociais de segurança...) pela bola nas alturas ao primeiro poste, quando o festejaram não se tocaram com as mãos (e abraços nem ténues). No banco, cumprimentos com toques de braço e cotovelo. Foi quando me lembrei em que tempo estava. Quando a bola voltou a rolar, esqueci outra vez.