DESCALÇO NA CATEDRAL - Carlos Carvalhal, que admiro, pôs-se a falar do "futebol português"... O que avariou o Rio Ave-Benfica não foi o "futebol português"; foi o videoárbitro global.
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Parecia que o céu podia cair-nos em cima da cabeça, não era?
Com o Rio Ave, percebeu-se rapidamente que seria um daqueles jogos em que não interessam "ideias de jogo", "transições controladas" e outros paleios assim - o tipo de jogatana em que só interessa fazer.
Fazer mais rápido, fazer melhor. Míster Lage pode dizer mil vezes que confia no trabalho dos treinos, mas, nestas partidas cardíacas, sabemos que a coisa tem ainda menos de ciência do que normalmente. A garra estava lá ao máximo, pois. (E permitam-me, caros leitores, que enfie aqui uma citação do grande Robert Walser: "Perante um desafio de futebol disse para comigo mesmo: "Que o ardor desta competição seja para ti um exemplo." ") Por outro lado, jogar com o coração nas chuteiras é sempre um risco...
Em relação a esse louco jogo em Vila do Conde, os especialistas têm falado dos dezassete centímetros de fora de jogo de Dyego Sousa, das duas expulsões de jogadores do Rio Ave, da entrada decidida de Seferovic, da primeira cabeçada goleadora da carreira de Weigl. Não me quero armar em original, mas acho que o instante decisivo foi outro. A mudança deu-se com aquela obra de arte de Taarabt junto à linha. A forma quase distraída como ele deixa para trás os dois adversários (que ficam presos à lateral, quais figurantes na peça errada) e depois faz o passe para o golo de Rafa - aquilo foi o sinal de que a equipa precisava. O jogo parou para o videoárbitro contar os habituais centimetrozitos e o árbitro acabou por anular o golo, mas isso não importou muito no essencial. Porque o lance de génio de Taarabt já ninguém nos podia tirar. Não havia público nas bancadas, mas estava lá todo o público que era preciso. A equipa do Benfica é que era o público-alvo daquela finta mágica e daquele passe geométrico. Aquilo dizia-lhes: calma e ânimo, vamos conseguir. A partir dali, tudo tinha de mudar.
Já falei do videoárbitro, não foi? Pois nunca é demais repetir. Este Rio Ave-Benfica foi um bom jogo para mostrar como esse tal de VAR estraga o jogo da bola. Se concordamos que o futebol é mais um teatro de vida do que um laboratório de dissecar linhas, temos de concordar em dar por terminada esta história do videoárbitro, não acham? Na entrevista pós-derrota, Carlos Carvalhal, um treinador que admiro, fez o número do estrangeirado sarcástico e pôs-se a falar do "futebol português"... Mas, desta vez, enganou-se. O que avariou este Rio Ave-Benfica não foi o "futebol português"; foi o videoárbitro global.
Sim, talvez esta fosse uma daquelas partidas que só pede uma coisa: vitória. Agora falta começar a jogar à bola, caramba. E se começássemos depois de amanhã, com o Santa Clara?