Os ensinamentos da Volta a Portugal elétrica
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O JOGO foi o primeiro a fazer uma grande corrida de ciclismo com um automóvel elétrico, provando que a autonomia das novas baterias já permite atravessar o país. Mas os 1941 km revelaram muito mais
"Aventura" foi o termo mais utilizado pelos que, na caravana da Volta a Portugal, iam descobrindo que O JOGO fazia a reportagem utilizando um Nissan Leaf. Era o primeiro carro elétrico a cumprir uma grande corrida de ciclismo por etapas e alguns dos obstáculos justificavam o substantivo. Mais do que a autonomia das baterias, em causa estava a obrigatoriedade de as carregar ao longo de onze dias com quilometragens elevadas - o total foi de 1941 quilómetros - e tendo intervalos de tempo limitados para cada paragem. A isso somava-se o lado desconhecido da tarefa: sendo muitos os pontos de recarga anunciados pelo país, estariam todos a funcionar? Apesar do susto inicial, a resposta foi agradavelmente positiva: é possível dar uma volta a Portugal em veículos elétricos sem o risco de se ficar pelo caminho.
A iniciativa de O JOGO, à qual a Nissan aderiu com entusiasmo, tinha vários propósitos, começando por um desportivo. Os elétricos têm provado a sua evolução na Fórmula E e estão já anunciados para o Mundial de Ralicrosse, mas será com as equipas de ciclismo que em breve poderão provar ao público estarem capazes de substituir os motores a combustão sem incómodos para o utilizador como as longas paragens para carregamentos.
Por enquanto, e com autonomias entre 200 e 300 km, a sua utilização em equipas ainda não é possível, por em grande parte das etapas ser necessário acrescentar a deslocação até aos hotéis - por exemplo, as três primeiras etapas da Volta deste ano representaram uma média diária de 314 quilómetros em viagens. E uma equipa de ciclismo, ao contrário de um jornalista, não pode fazer paragens durante uma etapa nem demorar na deslocação para o hotel, pois os ciclistas têm de ser massajados antes do jantar.
Derretido pelos 45 graus do Alentejo
O início da Volta não foi animador. Em Setúbal, todos os três postos Mobi.e da zona da corrida estavam inutilizados e as limitações de trânsito não aconselhavam a procurar os mais distantes. Foi nas tomadas do Clube da Volta que o Leaf carregou baterias para fazer a primeira travessia do Alentejo, cumprida dentro do previsto: os postos de carga rápida das áreas de serviço de Alcácer do Sal e de Aljustrel permitiram chegar a Albufeira com a bateria a 39%, mas sabendo que na cidade algarvia, superlotada de turistas, as alternativas não eram muitas.
A segunda etapa "iniciou-se" na área de serviço de Loulé da Via do Infante, para o regresso ao Alentejo trazer as más notícias. Os 45 graus à sombra fizeram aquecer em demasia as baterias e o carregamento em Alcácer do Sal era na zona mais quente de estação de serviço. A tarde passou-se com o Leaf ligado à corrente, num local ao sol e a mais de 50 graus!
O resto da viagem foi lento, até novo reabastecimento, em Évora, o que significou perder a chegada dos ciclistas a Portalegre.
A etapa entre a Sertã e Oliveira do Hospital, que percorreu as zonas afetadas pelos incêndios de 2017, continuou a ser de calor e a provar a necessidade de coberturas nos terminais de carregamento - na área de serviço de Coimbra seria possível estrelar um ovo no capot do Nissan... -, mas cumpriu-se dentro do horário previsto. E daí em diante, tudo melhorou.
Subida à Torre foi um mimo
O Leaf fez a subida mais difícil de Portugal, entre Seia e a Torre, consumindo apenas 30% da bateria (foram 28,3 km e um desnível de 1501 metros em 44 minutos), da qual recuperou 5% a descer até um hotel na Covilhã que foi uma surpresa - tinha posto de carga, devidamente coberto, colocado pela Universidade da Beira Interior.
E as boas notícias continuaram:
- em Viseu, foi mais fácil "alimentar" o elétrico do que o jornalista, sendo as rotundas da cidade preciosas na recuperação de energia;
- até Boticas, o carregamento rápido de Vila Real funcionou como uma ida às boxes;
- de Montalegre a Viana do Castelo, a paragem de meia hora repetiu-se em Braga, embora a estrada, com muita descida, praticamente não consumisse a bateria;
- Viana tem muita oferta de postos e ter um elétrico até vale um precioso lugar de estacionamento!
Com o resto da corrida a ter etapas curtas para jornalistas, os últimos dias não colocavam obstáculos. Em Mondim de Basto, o Nissan fez o último carregamento da prova nas tomadas do camião-oficina da equipa vencedora, a W52-FC Porto, e já sentindo que a Volta elétrica estava ganha!
As conclusões
Ficou provado que já se pode percorrer todo o país sem utilizar combustíveis fósseis, mas a experiência permitiu tirar várias conclusões, importantes para quem tem ou pensa ter um veículo elétrico:
MANUTENÇÃO: postos de carga fora de funcionamento podem ser um problema grave; a manutenção é obrigatória e nem sempre existe
CALOR: uma operação de carga gera elevadas temperaturas nas baterias; é obrigatório colocar coberturas nos postos das áreas de serviço e incompreensível não existirem
COMUNIDADE: viajar com um elétrico equivale a entrar na "comunidade" que se encontra e por vezes conversa durante os carregamentos
HOTÉIS: há alguns anos, os hotéis com Wi-Fi garantiam novos clientes; investir em terminais de carregamento para elétricos é antecipar um futuro semelhante...
PLANEAMENTO: longas viagens com elétricos obrigam a planeamento, com estudo dos quilómetros (e quantos em auto-estrada ou a subir) e locais de carregamento, sendo bom prever uma refeição, trabalho ou leitura para uma paragem que pode ser de uma hora
GESTÃO: a condução deve ser gerida em função da distância a cumprir: sendo curta, pode acelerar ou utilizar o cruise control; sendo longa, é bom aprender a gerir a bateria, tendo sempre um plano B para carregamento
Carro: o mais vendido e o seu e-Pedal
Sendo esteticamente muito mais bem conseguido do que o seu antecessor, o Nissan Leaf é confortável e generoso no espaço, cativa pela evolução tecnológica, mas O JOGO escolheu-o para a Volta a Portugal pela sua autonomia.
A nova bateria de 40 kWh permite fazer 270 quilómetros em ciclo combinado, valor anunciado que a reportagem comprovou ser real nas etapas em que se viajou por estradas nacionais, ficando a ideia de que essa distância poderia ser ultrapassada circulando em cidades como Viseu, onde uma condução prudente, somada à recuperação de energia nas rotundas, quase não gasta bateria...
Em autoestrada, a autonomia desce e ronda os 200 km, sendo conveniente ter cuidado com o consumo acrescido quando se utiliza o ProPilot, sobretudo em subidas.
Sendo um dos atrativos do Leaf, o sistema ProPilot é dos mais evoluídos na condução autónoma - e foi muito útil nos momentos de cansaço da Volta -, embora, depois da necessária habituação, o mais apaixonante seja o e-Pedal. Este sistema, sendo um recuperador de energia, permite conduzir levando o pé apenas no acelerador, pois trava em função da desaceleração. Tornou possível, por exemplo, uma descida noturna da Serra da Estrela sem colocar o pé no travão!
O Leaf é o atual líder nas vendas de elétricos em Portugal - 765 unidades nos primeiros sete meses do ano, para um total de 1842 a circular no nosso país -, já à frente dos híbridos e plug-in, e o grande teste a que O JOGO o submeteu provou as suas qualidades, embora o êxito também esteja relacionado com o preço: a campanha atual começa em valores abaixo dos 30 mil euros.
Volta a Portugal de O JOGO
Etapas: KM (Carregamentos)
Setúbal: 20,0 km (1)
Setúbal-Alcácer do Sal-Albufeira: 272,4 km (2)
Albufeira-Portalegre: 398,6 km (4*)
Portalegre-Sertã-Oliveira do Hospital: 269 km (2)
Oliveira do Hospital-Penhas-Covilhã: 74,2 km (1)
Covilhã-Sabugal-Viseu: 165,9 km (1)
Dia de descanso: 14,5 km (1)
Viseu-Sernancelhe-Boticas: 210,2 km (2)
Boticas-Montalege-Viana: 185,3 km (2)
Viana-Barcelos-Braga-Porto: 123 km (1)
Porto-Felgueiras-Mondim de Basto: 95,8 km (1)
Mondim de Basto-Fafe-Porto: 112,5 km (-)
TOTAL: 1941,4 km
Notas: (*) etapa iniciada sem carregamento noturno e com recargas extra devido ao calor; em todas as restantes etapas considera-se o carregamento noturno.