"Não quero trabalhar como um pasteleiro trabalha. Não me vejo a ter essa vida"

"Não quero trabalhar como um pasteleiro trabalha. Não me vejo a ter essa vida"

Ciclista António Carvalho destacou-se a trabalhar para outros e diz não se sentir prejudicado pelos diretores-desportivos. Sobre o futuro, algumas certezas.

Fez um pódio na geral da Volta e andou perto em mais duas. Sentiu que as podia ter ganho?

-A que o Raúl Alarcón ganhou, e bem [2017, posteriormente atribuída a Amaro Antunes]. Tínhamos ainda o Amaro Antunes. Ia fugido em Fafe e fui obrigado a esperar pelo Raúl. Ele tinha todas as condições e dava mais garantias. Estive muito bem na Volta que ganhou o João Rodrigues [2019]. O Boavista nunca perseguiu nem trabalhou para ninguém e nesse dia tirou-me a Volta. Deviam correr assim a vida toda. Teriam mais sucesso. Em 2020, na Efapel [hoje Glassdrive], era quarto ou quinto e estava muito forte. Trabalhei para o Jóni Brandão. Não conseguimos vencer, mas não me arrependo de nada.

Sentiu-se prejudicado por algum diretor?

-Nas duas vitórias na W52-FC Porto de que falei não senti alguma injustiça. Tínhamos o Alarcón e um ciclismo ofensivo. O Nuno deu-nos carta branca para atacar com o João. Em 2020 partia com responsabilidades na equipa, apesar de o Jóni ser o líder absoluto. Passei mal na subida do Barreiro, a partir daí o Jóni estava melhor. Não posso dizer que me tenham tratado mal, nunca um treinador me prendeu as pernas em termos de geral.

Quando acreditou que um dia poderia discutir a Volta a Portugal?

-No ano em que venço a camisola da montanha, em 2014, pela LA. Fiz pela primeira vez um estágio de altitude. Podia ter estado na disputa pelos cinco primeiros lugares. Mudei o "chip". Percebi que a parte mental é a que mais conta. É a minha maior valia.

De onde vem a sua capacidade no contrarrelógio?

-Nunca trabalhei isso de forma específica. É algo genético, se calhar. Não sou um contrarrelogista. Ando melhor no final das corridas por etapas, porque resisto bem ao longo dos dias. Gosto de provas duras e técnicas. Evoluí, fui-me formatando, até na montanha. Treinei muito na Serra da Freita. Em juniores, por exemplo, sprintava bem. O Pedro Silva [antigo ciclista e depois diretor do Mortágua] ajudou à minha transformação.

"Pastelaria é uma paixão"

Aos 33 anos já se é um veterano em Portugal?

-Depende muito da mentalidade de cada atleta. Comecei no ciclismo aos seis ou sete anos. Depois, fui jogar basquetebol, andebol e futebol. Marquei 20 e tal golos no União Nogueirense. Era extremo, corria muito. Não fintava, mas chutava bem e forte. Até podia ter ido estagiar ao FC Porto, mas senti o bichinho do ciclismo e voltei. Era juvenil. Quando saí ganhava as corridas todas, quando voltei não ganhei nenhuma. Hoje, sinto-me cansado mentalmente. Não tenho a ambição que tinha quando fui para a equipa do Pedro Silva, com 20 anos. Estudava no ISMAI [Maia], ia de bicicleta e fazia aulas práticas. Não sinto uma vontade igual. Penso nisso ano a ano. Já pensei retirar-me do ciclismo, mas depois as épocas correm bem e os resultados aparecem.

Tem um passatempo, no qual é admirado. A pastelaria é o seu futuro?

-Confesso que sou mais apaixonado por pastelaria do que por ciclismo. Gostaria, não vou ser hipócrita, de ter uma pastelaria com o meu nome. No entanto, depois de todas as privações que passei como ciclista, não me vejo a ter essa vida. Teria de trabalhar de noite, no dia de Natal, durante os fins de semana. Não quero trabalhar como um pasteleiro trabalha. Tenho o curso de diretor-desportivo. Espero usufruir dele. Gostava de um dia fundar uma equipa de ciclismo. E também gostava de ter uma marca de roupa de ciclismo. Pode ser um bom objetivo para 2024.

Quais os ciclistas que admira?

-O Rui Costa. Foi um privilégio correr com ele. É um ciclista estratega. Gostei muito do Contador, porque era muito ofensivo, e hoje gosto do Pogacar.