Vidal Fitas em entrevista: "Tenho as futuras referências do ciclismo português"
Diretor-desportivo da AP Hotels-Tavira esperava há muito este desempenho de Afonso Silva no GP O JOGO/Leilosoc, está surpreendido com a maturidade dos seus jovens e tem um craque colombiano para tentar ganhar a Volta a Portugal
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O algarvio Vidal Fitas, que dirige a AP Hotels & Resorts-Tavira-Farense, tem visto os seus corredores a controlar o 13.º Grande Prémio O JOGO/Leilosoc com classe, encara a corrida que termina hoje, em Paredes, como um processo de aprendizagem, e faz algumas revelações. Tendo perdido o líder dos últimos anos, o galego Delio Fernández, que decidiu reformar-se já com a época em andamento, contratou de forma surpreendente um colombiano vindo do World Tour e vai apostar nele para a Volta a Portugal. Mas entusiasma-se sobretudo com o crescimento dos seus jovens portugueses, como Afonso Silva, que espera ver discutir mais corridas da forma como tem liderado o GP O JOGO. Diretor-desportivo do Tavira desde 2006, depois de lá ter feito quase toda a carreira como ciclista, Fitas já conquistou quatro Voltas a Portugal consecutivas e tem um discurso pragmático que é referência para muitos.
A AP Hotels-Tavira parece estar a viver uma renovação e no início de época até dispensou o anterior líder, Delio Fernández. Como aconteceu isso?
Não foi dispensado, ele é que entendeu que a idade já não lhe permite estar ao nível que deseja e daí ter decidido terminar. Tivemos de respeitar isso.
Entretanto, descobriram um colombiano com aparência de estrela, o Jesus David Peña...
É craque, é muito bom. Foi daquelas oportunidades que às vezes aparecem. Ele não conseguiu uma equipa onde queria estar, foi-nos proposta a inclusão dele no plantel e conseguimos os meios para que isso fosse possível.
Chegou da Jayco AlUla, portanto queria estar no World Tour?...
Esteve lá três anos, portanto quer lá voltar. Mas isso agora depende mais dele do que de nós. Queremos é que esteja cá feliz, que nos traga qualidade. Já está a ser uma mais-valia.
Tem qualidade para lutar pela conquista da Volta a Portugal?
Ele é ciclista para discutir a Volta a Portugal.
Ao mesmo tempo, e isso comprova-se no Grande Prémio O JOGO/Leilosoc, o Tavira está a formar uma nova geração de corredores...
Sim, o Afonso Silva, o Diogo Barbosa, o Miguel Salgueiro, o Francisco Campos e o José Bicho, até mesmo o Ailetz Lasa, que está no primeiro ano de profissional, o Guilherme Mestre e o próprio Diogo Pinto, que não está aqui, são jovens que, segundo nos dizem os números, serão as próximas referências no ciclismo português. Alguns poderão não chegar lá, pois há um crescimento que é mais deles e não conseguimos controlar, mas estamos a dar todo o apoio para que aconteça. Estão todos na casa dos 25 anos e os mais novos têm 21, portanto estão numa fase de maturidade em que vão cimentar a sua posição no pelotão. Nunca se sabe quando é o ano, mas irá acontecer.
A intenção é ter Tavira de novo com uma grande equipa?
Isso prende-se com fatores que vão além dos atletas. Quando tínhamos as equipas que ganharam a Volta a Portugal, o orçamento era mais do dobro. E isso faz diferença. Por outro lado, o mercado português também não é o que foi há uns anos. Nem o espanhol. O ciclismo mudou muito e no nosso pelotão não existe a qualidade que tínhamos entre 2009 e 2012 e que era muito elevada. Agora há alguma qualidade, não na mesma quantidade. Até porque os nossos melhores jovens, neste momento, não passam pelas equipas continentais, a maioria deles salta diretamente dos juniores para o estrangeiro. O paradigma não é o mesmo de há 12 ou 15 anos. Os nossos ídolos eram o Cândido Barbosa, o Vítor Gamito, o José Azevedo, todos com parte da carreira feita cá. Os ídolos agora são o João Almeida, o Morgado, o Nelson Oliveira, ou o Rui Costa e nenhum corre ou correu cá.
Seria útil ter algum deles no pelotão nacional?
Não vou por aí. O ordenado de alguns deles é superior ao orçamento das nossas equipas. Devíamos era ter mais corridas para eles passarem por cá. Isso sim, poderia alavancar algo mais. Porque os que aqui estão, mesmo que ganhem corridas, dificilmente serão os ídolos, pois o consumidor do ciclismo também mudou. Hoje quer ver o Tour, as clássicas Monumento, o Giro ou a Vuelta. Consome um bocadinho a Volta ao Algarve, mais a Volta a Portugal, e as restantes corridas não. É um pouco como no futebol. Aumentou o interesse pela Liga dos Campeões, baixou num Famalicão-Gil Vicente. Há ainda outro aspeto: os que aparecerem por cá vão querer sair, para uma montra melhor, e pode nem ser uma questão de dinheiro. Eles querem acesso às grandes competições mundiais e aqui só temos duas boas montras, a Volta ao Algarve (e foi bom o João Almeida ter estado na disputa com o Vingegaard) e a Clássica da Figueira, na qual foi espetacular vencer o António Morgado.
Entretanto, a sua equipa cresceu ao liderar o Grande Prémio O JOGO/Leilosoc, posição em que não estava há algum tempo?
Quando tens equipas mais com gente da formação do que madura, as camisolas amarelas tornam-se mais difíceis de conquistar. Para eles é muito bom, para evoluírem e cimentarem a sua posição no pelotão. Era fácil liderar tendo David Blanco, Cândido Barbosa, André Cardoso, Ricardo Mestre e outros. Tudo nomes com história no ciclismo português. Estes estão a começar a fazer a história deles. Todos estiveram muito bem. Quando olhas para o Guilherme e vês a maneira como ele trabalhou, a naturalidade e a personalidade com que o fez... Do Salgueiro já estava à espera, mas os mais novos, como o Lasa ou o Zé Bicho, mostraram que estão a cimentar a sua posição. Se o fizerem mais vezes, começará a ser natural. Isto está a ser bastante enriquecedor para a minha equipa e estamos todos satisfeitos.
E do Afonso Silva, que tem a dizer?
O Afonso é um dos melhores ciclistas portugueses, está entre os três melhores nacionais que correm em Portugal. Gosta de atacar, gosta de se movimentar, portanto não é surpresa. Já esteve muito perto disto em outras situações, está a entrar na fase madura, por isso vestir uma camisa amarela iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Ele teve bons resultados nas camadas jovens, ganhou competições, mas por vezes, quando se demora mais a adaptar e a ganhar no escalão superior, a cabeça começa a duvidar. Até ao dia em que isto acontece e se ganha de novo confiança. Será normal ver o Afonso Silva mais vezes nesta posição. Porque ele é um ciclista muito bom!