Van Aert clama por revolução financeira no ciclismo: "Se for preciso pagar bilhetes a cinco euros..."

Wout Van Aert
AFP
Belga é um dos pesos-pesados do pelotão internacional e põe o dedo em ferida antiga: direitos televisivos e bilhetes são soluções para a crise. Oscilando entre equipas super ricas e sucessivos desaparecimentos de outras, o ciclismo precisa de distribuir melhor as receitas, defende craque da Visma, aludindo, de forma implícita, à UCI e à ASO.
Se o ciclismo perdesse uma das características que contribuíram para se tornar um fenómeno de massas, como ser gratuito, deixaria de ser tão popular? Wout Van Aert, um dos melhores e mais importantes ciclistas do pelotão internacional nos últimos anos, décimo no ranking da UCI, garante que não. E diz mesmo ser indispensável uma mudança de mentalidades e do financiamento das equipas para fazer face à crise que assola a modalidade e tem levado ao desaparecimento sucessivo de formações do principal escalão.
"No ciclismo, estamos focados no charme e no folclore. Mas se for preciso pagar bilhetes a cinco euros não significa que deixe de ser popular. No ciclocrosse é preciso pagar e não há nada mais popular", afirmou o tricampeão mundial desta vertente (2016 a 2018) do ciclismo, abordando um tema quase tabu, tal como a distribuição das receitas televisivas. "Penso que esta fragilidade [financeira] seria muito menor se além das receitas dos patrocinadores houvesse outras provenientes da própria modalidade, como os direitos televisivos ou de outras organizações", apontou, em entrevista ao "De Tijd", jornal financeiro da Bélgica.
As declarações do corredor da Visma e vencedor de dez etapas no Tour, entre outras vitórias em grandes provas, são uma crítica implícita às principais entidades do ciclismo - a federação internacional, UCI, e a ASO, organizadora de, por exemplo, Voltas a França e Espanha, Paris-Nice ou Paris-Roubaix. São elas que captam a imensa fatia das receitas da modalidade, não as redistribuindo pelas equipas - no caso da ASO, as provenientes da TV. Como faz, a título de comparação, a UEFA com os clubes que participam nas competições europeias.
Há duas semanas, o antigo ciclista Jérôme Pineau sugeriu que, aproveitando a etapa do próximo Tour que subirá duas vezes o Alpe d"Huez, se instale um sistema de bilheteiras para os últimos cinco quilómetros da subida e zonas VIP, que até existem nas grandes competições mas acabam por beneficiar os organizadores - não as equipas nem os ciclistas. Em resposta a Pineau, Pierre-Yves Thouault, responsável da ASO, afirmou que "o ciclismo é por definição gratuito".
Mas a visão de Van Aert é mais abrangente e dá um exemplo (bem poderia ler-se UAE Team Emirates, nas entrelinhas). "Há patrocinadores que dizem: têm aqui cem milhões, façam o que quiserem. Mas nós continuaremos a fazer as coisas da mesma maneira. As equipas em dificuldades não vão tirar qualquer proveito e o fosso vai continuar a aumentar. É todo o modelo de receitas que está em causa", diz alguém cuja popularidade e mediatismo ajudarão a devolver, certamente, o tema à ordem do dia.

