Uma aventura na Indonésia: "Não tomar o pequeno-almoço antes de começar a trabalhar..."
Luís Estrela planeava um ano sabático, e até escrever um livro, mas acabou como selecionador indonésio da equipa feminina de futsal
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Luís Estrela trocou Lisboa por Jacarta, na Indonésia, no fim de 2024, para se tornar selecionador da equipa de futsal feminina, a convite da Federação desse país. Em maio, fez história quando a seleção chegou aos quartos de final da Taça da Ásia China’2025, naquele que foi o melhor desempenho de sempre, cimentando a boa reputação e a atenção mediática que recebeu desde que aterrou no aeroporto, no arranque da experiência. “A Federação da Indonésia está a fazer uma aposta muito grande no futebol e no futsal. Eram cerca de dez candidatos, três ficaram para o fim e, na última entrevista, acabei por ser o escolhido”, explicou, em entrevista a O JOGO, revelando que Pulpis, ex-treinador da equipa de futsal masculina do Benfica, foi quem o sugeriu aos indonésios.
Trocou o futsal do Benfica por uma experiência do outro lado do mundo, onde, apesar de lhe ter custado começar a trabalhar de estômago vazio, encontrou mais afinidades do que diferenças.
O convite, admitiu, foi uma surpresa. Decidira deixar o cargo que ocupava no plantel sub-19 das águias para tirar um ano sabático, voltar a estudar e até publicar um livro. Mas, como nunca vira a cara a um desafio, decidiu aceitar a nova aventura. “Era uma oportunidade para sair da minha zona de conforto e abraçar um projeto diferente. Achei que podia contribuir para o desenvolvimento estruturante do futsal no país. A Federação está a apostar em elevar os níveis de competitividade, no departamento de scouting e outros que pontos eram necessários. Senti que o projeto tinha a minha cara e as condições eram bastante boas”, detalhou. O respeito pelo treinador de futsal, ao ponto de Luís Estrela brincar com a ideia de ser “visto quase como um imperador”, foi outro dos aspetos que o surpreenderam.
Em relação ao cargo, treinar uma equipa feminina não era novidade, mas fazê-lo num país muçulmano exigiu novas regras, a começar pelos horários dos treinos, que foram adaptados para não interferirem com os períodos de reza. “Na Indonésia, as pessoas vão às mesquitas às 11h e às 16h e depois rezam por quase qualquer situação: antes de comer, antes de ir para o treino, antes de começar o treino, depois do treino...”, enumerou. Assim sendo, ficou estipulado começarem religiosamente às 7h00 e, para grande surpresa do português, de estômago vazio. “Confesso que não tomar o pequeno-almoço antes de começar a trabalhar me fez um pouco de confusão, mas depois entrei na dinâmica”.
As refeições, aliás, foram outro dos temas a merecer especial atenção de Luís Estrela, sendo que, neste caso, o selecionador acabou também por fazer um pouco o papel de nutricionista, depois de se aperceber que a ausência de certos alimentos estava a influenciar o desempenho físico das atletas. Foi por isso que cortou nos bolos, refrigerantes, snacks e outras guloseimas para incluir mais fruta, hidratos de carbono, como arroz e massa, além de peixe e carne branca. “Demorou cerca de uma semana a entenderem que esta mudança de hábitos era necessária. Mas, com as explicações e a passagem de informação, as jogadoras entenderam que era necessário para evoluírem. Tento formá-las para terem um regime diário que lhes proporcione um corpo para competirem”, esclareceu, acrescentando que em março, mês do Ramadão, os treinos foram adiados. “O campeonato na Indonésia só tem dois meses. Começa em maio e acaba em julho, sendo que, neste período, tivemos de nos qualificar para os torneios. Era muito importante as atletas que não competem em clubes manterem os níveis físicos”, frisou. Das 30 jogadoras, a maioria é profissional, mas existe “uma base muito jovem” que também frequenta o ensino superior e está a tirar cursos ligados à área do desporto.