Organização admite assistências "abaixo das expectativas" e os atletas criticam as bancadas vazias. Doha não tem espectadores para o desporto e o futebol pode preocupar-se...
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O Catar, península de 160 quilómetros no Golfo Pérsico, tem 2,6 milhões de habitantes, a maioria a viver em Doha, mas a sua população divide-se entre os 313 mil árabes, os ricos, e 2,3 milhões de trabalhadores pobres de raça negra ou asiática. O calor é sufocante durante as 24 horas do dia e o trânsito da capital infernal. Esta realidade ajuda a explicar a ausência de espectadores no Estádio Khalifa - não existe uma classe média, a que mais frequenta os espetáculos desportivos -, para o qual consta terem sido vendidos 50 mil bilhetes, ao contrário dos 200 mil anunciados pelos organizadores, para um total de dez dias de competição...
Ontem, alguns milhares de trabalhadores etíopes da construção civil, que terão recebido bilhetes grátis, encheram uma das bancadas do recinto de 40 mil lugares para verem a dobradinha de Muktar Edris e Selemon Barega nos 5000 metros e finalmente ouviram-se aplausos. Mas pode ter sido uma exceção. "É uma desilusão. Até vinha com o entusiasmo de promover o desporto numa nova região", lamentou Ekaterini Stefanidi, bronze no salto com vara e que diz nem nos nacionais gregos ter tão pouco público. A estafeta mista dos Estados Unidos, vencedora os 4x400 metros, recusou mesmo a dar a volta de honra num estádio vazio.
Segundo a organização, as assistências "estão abaixo das expectativas", mas isso deve-se a provas que coincidem com "a semana de trabalho" e têm horários adaptados à hora nobre das televisões europeias. Um argumento fraco, pois há competição entre as 16h30 e as 23h00 locais.
O Mundial já teve as provas mais populares, as de 100 metros, mas apenas 13 288 pessoas aplaudiram o triunfo de Christian Coleman no sábado.
"É um campeonato estranho. Já não temos o Usain Bolt e queríamos ser nós a tornar o Mundial excitante. Mas não está nas nossas mãos", desabafou o sprinter britânico Adam Gemili. Alguns atletas não ligam às bancadas vazias, como Justin Gatlin - "Quando estou em pista, não quero saber se são 100 ou 100 mil", diz -, mas a maioria sustenta as críticas que já se estendem à IAAF.
"Foi um erro fazer-se um Mundial nestas condições. São condições mesmo extremas", afirmou Jorge Vieira, presidente da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), à TSF, lamentando tanto os lugares vazios como o calor que afeta maratonas e marcha. A FPA foi uma das federações que há dias reelegeram, por unanimidade, o presidente da IAAF, Sebastian Coe, mas a escolha do Catar fora do seu antecessor, Lamine Diack, já acusado de corrupção...
Para o futebol, que em 2022 vai ter mais gente nos estádios, mas pode vir a sentir problemas do género, uma história destas não é novidade!