A família de Pimenta foi quem acolheu Karim Elsayed, melhor canoísta do Egito, hoje considerado mais um filho dos pais do medalhado olímpico, Fernando e Rosa
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Karim Emad Elsayed chegou a Portugal no dia 25 de agosto de 2017. Deve ser o egípcio mais famoso de Ponte de Lima. É canoísta, esteve nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro"2016 e foi recebido pela família de Fernando Pimenta, tendo-se tornado mais um elemento da mesma. "Hoje em dia, faz parte da família, é um cidadão de Ponte de Lima e, se alguém lhe perguntar, a resposta que dá é que é um limiano e lá em casa é mais um filho". É assim, desta forma clara, que o pai de Fernando Pimenta pai aborda o tema. "Já é o segundo, antes houve um dos Açores, agora tenho um do Egito e, desde que o acolhemos, é mais um membro da família. Passa os dias connosco, passa o Natal connosco, fazemos-lhe a festa de anos...", completa a mulher, Rosa, numa verdadeira conversa em família que O JOGO teve na vila minhota, num dia chuva.
"Eu queria uma oportunidade melhor para treinar e falei com um treinador português para saber se era possível vir para Portugal, para Ponte de Lima, e ele ajudou-me. Falou com o professor [Hélio] Lucas e depois vim. Fiquei os primeiros oito dias na Pousada da Juventude e depois o senhor Fernando aceitou que eu ficasse em casa deles", recorda Karim, 24 anos. "O Lucas já nos tinha falado, tinha dito que era uma situação um bocado complicada e pediu para tentarmos ajudar. O tempo que ele tinha para ficar na pousada estava a acabar e tinha de haver uma solução. Demos-lhe alojamento", conta o marido, que deu guarida ao canoísta numa casa da família, mesmo ao lado da dos avós do medalhado olímpico português. "O Karim não vive connosco, mas numa casa nossa e, se chega a casa e não vê os meus pais, fica logo preocupado. Ele vai ajudá-los no campo, vai fazendo algumas tarefas que foi aprendendo", continua o patriarca, dando conta, mais uma vez, do grau de integração do africano no seio da nova família.
"Passa os dias connosco, convive connosco, passa o Natal, fazemos-lhe a festa de anos..." - Rosa Pimenta, mãe de Fernando Pimenta
A verdade é que, apesar de Karim ser nesta altura um cidadão perfeitamente integrado em Ponte de Lima - "Estou a trabalhar em part-time num hipermercado, sou repositor, estudo gestão no Instituto Politécnico em Viana do Castelo e quero ficar a viver aqui", assume -, nem tudo foi fácil. "Temos de ser muito francos e abertos nisto. Houve uma altura em que se falava muito de terrorismo e, quando não se conhecem os propósitos, quando não se conhece a pessoa, fica-se um pouco reticente. Ma,s depois, fomos conhecendo o Karim, fomos interagindo com ele e ele connosco e aos poucos fomos ganhando confiança mútua", assume Fernando Pimenta, que tinha poucas referências daquele que viria a ser um novo irmão. "Tinha-me cruzado com ele em estágio, uma vez, na Aguieira. Nos Jogos Olímpicos, não me lembro dele. Conheço o técnico que lhe disse para vir para cá, o Pedro Gomes, há muito tempo, desde os tempos em que ele era atleta", lembra, como que a revelar ter havido neste contacto uma garantia de confiança.
Karim Emad Elsayed tem 24 anos e veio para Portugal após ter estado na Áustria de visita a um tio. Chegou no verão de 2017, vive numa casa dos avós de Fernando Pimenta, em Ponte de Lima, onde trabalha num hipermercado como repositor. Está de tal forma adaptado que já gosta de arroz de sarrabulho e come bacalhau pelo Natal
Com Karim instalado, havia que tratar do processo de legalização. E, também aí, a família Pimenta foi inexcedível. "Numa tarde, fui não sei quantas vezes para Viana. O Fernando foi de manhã, e eu de tarde, porque aquele era o último dia. Ele tinha de entregar um contrato de trabalho na Segurança Social para depois avançar para o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras]. E havia um problema: não se consegue dar trabalho a quem não tiver certificado de residência, mas também não se dá certificado de residência sem contrato de trabalho, foi uma luta terrível", resume o pai do melhor canoísta português de sempre, que faz questão de mencionar um outro grande apoio nesta maratona. "Também da parte do clube, ele teve muitas ajudas. Na altura foi o Clube Náutico de Ponte de Lima que lhe fez um contrato de trabalho para se poder dar o passo seguinte", ressalva.
"Sou um limiano. Esta foi a primeira expressão que aprendi aqui"
"O Karim, sem nós sabermos, foi inscrever-se na Universidade do Minho para aprender português. Depois, o professor João Carlos, presidente do Clube Náutico de Ponte de Lima, arranjou-lhe uma professora que, em alguns dias ao fim da tarde, lhe foi dando aulas", explica o pai de Pimenta. "Isso ajudou-me muito, mesmo muito", admite o canoísta, que, agora totalmente integrado, quer manter-se por cá. "Gosto da vida aqui. Tenho mais qualidade de vida. As pessoas, logo de início, ao primeiro contacto, são muito simpáticas. O senhor Mohamed, meu amigo que vive no Porto, também me disse isso. Sentimos essa forma de receber dos portugueses, essa hospitalidade. Aqui nunca me senti estrangeiro, senti sempre que sou daqui, que sou mais um limano", justifica Karim. "Tenho saudades da minha família, claro, mas aqui em Ponte de Lima também me sinto em casa", reforça.
Ainda sobre os primeiros tempos, sugiram mais algumas desabafos. "O Karim é mesmo meu irmão e se perguntar à minha irmã [Rita] e ao meu irmão [João], eles respondem-lhe exatamente o mesmo que eu", assegura o canoísta do Benfica, enquanto o pai, que também levou Karim a fazer parte dos Bombeiros Voluntários de Ponte de Lima, recorda: "Houve uma coisa que eu lhe disse logo, que foi que ele tinha de cortar o cabelo e a barba. Com aquele aspeto ia ser difícil. Agora, olha para ele e não tem nada que ver com que era".
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Pimenta é o "ídolo" e o Náutico o clube
Karim, o melhor canoístas do Egito - foi campeão nacional entre 2011 e 2017 -, quis vir para Portugal para evoluir na modalidade, mas, a certa altura, aconteceu o contrário. "Agora, a nível desportivo, as coisas estão a melhorar, mas fazendo outras atividades é difícil chegar a um nível elevado. No primeiro ano, fiz bons resultados aqui em Portugal, mas depois foi mais difícil", conta, ele que está a contas com um diferendo com a federação do país por se ter mudado para Portugal: "No primeiro ano aqui ainda fiz duas provas pelo Egito, a Taça do Mundo e o Campeonato do Mundo, no segundo ano não competi e estou a tentar resolver o problema com a federação", explica o homem que vê em Fernando Pimenta "um ídolo" e compete pelo Náutico de Ponte de Lima. "Há dois anos que sou vice-campeão de K4 500 metros", destaca.- R.G.