Convite de O JOGO dá numa grande entrevista: "Temos Ronaldos mas sem tempo de antena"
ENTREVISTA - Paulo Jorge Pereira, Mário Gomes, Renato Garrido e Hugo Silva encontraram-se pela primeira vez e não ficaram a lamentar a força que o futebol tem em Portugal. Todos querem é saber como crescer mais
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Andebol, basquetebol, hóquei em patins e voleibol são modalidades coletivas de pavilhão e têm outro ponto em comum: tentar crescer num país dominado por futebol. Talvez por isso, os selecionadores nacionais responderam de forma entusiástica a um desafio lançado por O JOGO, o de se juntarem para uma conversa e troca de experiências. O encontro deu-se no Porto e, devido aos estágios que quase todos têm por estes dias, foi mais de um mês antes do Natal.
À mesa sentaram-se Paulo Jorge Pereira, de 54 anos e selecionador de andebol desde 2016; Mário Gomes, 62 anos, selecionador de basquetebol desde 2017 mas com muitos mais anos na federação; Renato Garrido, 46 anos, campeão mundial de hóquei em patins com uma equipa que orienta desde março e também treinador da Oliveirense; e Hugo Silva, de 46 anos e há 15 na Seleção de voleibol, sendo o selecionador há sete anos. Alguns já se conheciam, mas foi a primeira vez que os quatro se juntaram. Começando por recordar os contactos anteriores.
No futebol, há Cristiano Ronaldo e, nas restantes modalidades, já existiram - e existem - referências, mas nunca de dimensão semelhante. E os selecionadores apontam "culpados".
É importante cada modalidade ter o seu Ronaldo?
PJP: O andebol teve o Carlos Resende, uma referência a nível nacional mas que nunca saiu de Portugal. Hoje temos atletas como o Gilberto Duarte, que já jogou no Barcelona e está no Montpellier - é a referência mais visível. Mas continuo a insistir, é muito difícil criar referências nos miúdos quando eles não conseguem ver jogos; se os tivéssemos em canal aberto, era mais fácil. As pessoas que vão ao pavilhão e levam os filhos são uma minoria, são pessoas relacionadas diretamente com a modalidade. Mas também temos de fazer a nossa parte. Em França, eles têm aquilo que chamam o "troisième mi-temps", ou seja, a terceira parte do jogo, que consiste em reunir as pessoas que vão assistir; quando pagam a sua entrada, também pagam um jantar. O Montpellier teve um jogo para a Liga dos Campeões com quatro mil pessoas a jantar. São iniciativas que é preciso divulgar, para chegar mais facilmente às pessoas.
HS: Há Ronaldos no voleibol, claro que há. Se derem tempo de antena aos jogadores que nós temos, haverá muitas referências nas diferentes modalidades. Posso falar de uma que ainda joga - acho que vai jogar até aos 50 anos -, que é o Miguel Maia. Sempre foi a maior referência do voleibol nacional e continua a jogar; se calhar, é uma referência ao mostrar como se pode jogar até aos 50. Mas temos outras: o Miguel Rodrigues, o Alexandre Ferreira, o Marco Ferreira... Eles jogam nos principais campeonatos lá fora.
RG: Se houve algo importante, além da própria conquista do título mundial, foi voltarmos a ter referências no hóquei em patins português. Hoje em dia há muitas, mas as dez principais são aquelas que estiveram no Mundial. Claro que o [André] Girão foi a expressão máxima da nossa conquista, mas o Hélder Nunes e o João Rodrigues estão em Barcelona e são convidados para eventos sociais. O Nélson Filipe, o Henrique [Magalhães], o Jorge Silva, o Vieirinha, o Gonçalo Alves, o Rafa... todos eles são referências. Sentimos isso quando chegámos a Portugal, antes não tínhamos noção. Já há jovens que querem ser como o Girão, como o Rafa, como o Hélder, como o João.
MG: Há aqui uma questão cultural. Nós não temos apetência, em comparação com os espanhóis, e sobretudo com os americanos, para uma cultura de promoção das referências, que antes de o serem a nível nacional e internacional têm de o ser lá na terra, na escola. Não temos esse hábito. É vulgar chegar ao café de uma terriola qualquer em Espanha e estar na parede a fotografia de um jogador de basquete que ninguém conhece, mas que foi importante nos juvenis ou nos juniores de lá. É desta forma que se cria cultura. Nós não a temos, ou temos pouco. E depois há uma parte que diz respeito à própria modalidade. Todos nós recordamos os clubes onde jogámos e quem eram os nossos ídolos, quem eram os seniores do nosso clube. Hoje, os jogadores da formação não vão ver os seniores do seu clube. Era impensável há uns anos!
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O que diriam a uma criança para a convencer a praticar a vossa modalidade?
MG: Além de a tentar convencer das virtudes da modalidade e da importância de fazer desporto, daria um conselho: nunca desistir de jogar se no fim de cada treino gostar um bocadinho mais de basquetebol do que no início.
RG: O hóquei é um desporto muito específico, só o meio de locomoção é cativante. Sabemos isso no primeiro contacto que têm com os patins e, mais tarde, ao manejar o stique. Como existem a bola e uma baliza, é só poderem experimentar a modalidade que querem logo ficar nela.
HS: Há um slogan que faz parte do nosso projeto de promoção, que é o Gira-Volei: "Se procuram uma modalidade fácil, divertida e competitiva, escolham o vólei." O voleibol tem de facto todos estes ingredientes. Vão gostar.
PJP: Não lhe diria nada, tentava convencê-la com os meios que tenho à minha disposição, com os exercícios que temos para atrair os miúdos. É fazer mais do que dizer.