
Giovanna Epis (no chão), de Itália, recebe cuidados médicos durante a Maratona feminina nos Mundiais de Atletismo que decorrem em Doha, Qatar
EPA
Doha teve uma maratona à meia-noite, mas mesmo assim com quase 33 graus e 73% de humidade, o que fez desfalecer vários atletas. Foi mais um passo na preparação do... Mundial de futebol
Doha, a impressionante capital do Catar, onde os arranha-céus rivalizam em tamanho e beleza, escondendo os bairros de casas térreas - e que parecem feitas de terra... - dos trabalhadores da construção civil e das mulheres da limpeza dos hotéis luxuosos, está transformada numa capital mundial do desporto, por força dos petrodólares.
A maratona, ganha pela queniana Ruth Chepngetich em 2h32m43s, o pior tempo da história dos mundiais, foi em tudo um espectáculo deprimente.
As grandes organizações sucedem-se, em cada vez maior dimensão, e vão servindo de teste às agrestes condições de uma cidade erguida às portas do deserto. O objetivo, é sabido, será que tudo esteja perfeito quando se atingir o apogeu, a organização do Mundial de futebol, em 2022.
Ontem, o Mundial de atletismo forneceu um dos mais arrepiantes testes, um de sobrevivência: provou-se ser possível correr uma maratona, que até teve o tiro de partida à meia-noite, mas mesmo assim com uma temperatura de 32,7 graus e humidade de 73% - sensação térmica de 40 graus. Terminaram 40 das 70 atletas inscritas, o que para a Federação Internacional das Associações de Atletismo (IAAF) terá sido um número animador. Nenhuma morreu e só uma foi hospitalizada.
Tal como em 2016, quando o Mundial de ciclismo levou os melhores corredores da atualidade a enfrentar os 50 graus do deserto, saindo de lá sem vítimas, a maratona feminina provou que a capacidade de sacrifício dos grandes atletas vai além do que se possa imaginar.
O traçado, ao invés de exibir os grandes hotéis ou zona histórica de Doha, foi um circuito ridículo montado numa avenida fronteira ao Golfo Pérsico
"A humidade matou-nos. Não havia como respirar. Pensei que não terminaria. Isto é um desrespeito para com os atletas", acusou a bielorrussa Volha Mazuronak, que desmentiu as próprias palavras ao ser quinta e a melhor europeia. Volha não morreu. Mas, obviamente, tinha razões para estar indignada: "Um grupo de dirigentes importantes decidiu que estes campeonatos tinham de se fazer, mas eles estão sentados na fresquinha ou, a esta hora, até já estão a dormir". Em Doha, convém frisar, já passava das 3h00 da madrugada quando a atleta falou...
A maratona, ganha pela queniana Ruth Chepngetich em 2h32m43s, o pior tempo na história dos mundiais, foi em tudo um espectáculo deprimente. Veja abaixo fotos que revelam o titânico esforço dos atletas.
O traçado, ao invés de exibir os grandes hotéis ou zona histórica de Doha, foi um circuito ridículo montado numa avenida fronteira ao Golfo Pérsico, na esperança de que o espelho de água fosse um conforto para as corredoras. Os ganhos em temperatura, no entanto, deverão ter sido mitigados pela fileira impressionante de torres com holofotes, que o dinheiro árabe fez erguer, para que a transmissão televisiva tivesse luz suficiente. O público estava reduzido a oficiais, jornalistas e meia-dúzia dos estrangeiros que vivem no Catar e quiseram aplaudir atletas do seu país.
As imagens foram quase todas do grupo africano da dianteira, evitando mostrar a carnificina que se viveu mais atrás. Uma exceção, curiosa, foi a da portuguesa Salomé Rocha, que se viu a parar e beber água. Perguntaram-lhe se ia desistir e respondeu abanando a cabeça, com uma negativa. Salomé, uma das heroínas da noite, retomou a corrida e foi 28.ª, em 2h58m19s, uma marca pouco comum para uma atleta profissional.
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Se Salomé resistiu, outras não o conseguiram. A croata Bojana Bjeljac tombou inanimada junto ao abastecimento. Failuna Matanga, da Tanzânia, foi cambaleando e retiraram-na antes de desmaiar. O centro médico da prova encheu com atletas que ali davam entrada transportadas em cadeiras de rodas. O gelo não foi suficiente para todas.
No fim, e embora ainda faltem a maratona masculina e as provas de marcha, a IAAF e os cataris terão achado que valeu a pena. As restantes provas são no Estádio Khalifa, um dos mais importantes recintos para o Mundial de futebol, e não irão gerar problemas. Pelo contrário, já estão a testar com êxito o revolucionário sistema de ar condicionado que em 2022 irá permitir aos turistas sentirem-se numa fresca esplanada britânica!
