Vão discutir a Volta a França entre compatriotas e validar ainda mais a aposta no desporto de um país de dois milhões de pessoas. Um sociólogo destaca o valor individual da dupla que tem dominado o Tour, mas explica o crescimento raro em muitas modalidades: todos praticam desporto, há dinheiro, ambição e vida na natureza
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A 21 de junho, quando Primoz Roglic acelerou na subida do último quilómetro, para bater Tadej Pogacar no Campeonato Nacional da Eslovénia, o resto da Europa ficou surpreendido. Era a primeira corrida em mês de pandemia e na meta estavam centenas de pessoas, sem máscaras, aplaudindo os heróis nacionais. Foi o ciclismo a chamar a atenção para um pequeno país que naquele dia só tinha um positivo para somar a 35 casos ativos de covid-19 e esta semana atingiu pela primeira vez um pico de 77 infetados diários, para um total de 884 ativos e 135 mortes. Os campeões do ciclismo, que puderam treinar em casa sem limitações, entram hoje na última semana da Volta a França para discutir entre eles o triunfo final, um feito sem precedentes.
"A Eslovénia tem imensas estradas para pedalar, como a fantástica subida do Mangart ou o Pohorje, onde fizemos duas semanas de campo de treino e toda a gente ficou surpreendida", revelou Primoz Roglic, que aos 30 anos, e tendo ganho uma Volta a Espanha, é o maior candidato a levar a camisola amarela, que já enverga, até Paris. Vindo dos saltos de esqui, dos quais foi afastado por um acidente, pode atingir o topo ao oitavo ano no ciclismo, uma raridade. Tadej Pogacar tem 21, já foi terceiro na Vuelta e é um fenómeno ainda superior.
"Como pode um país de dois milhões de habitantes ter tanto êxito no ciclismo e no desporto?", questiona Igor Evgen Bergant, comentador televisivo formado em Sociologia, que sabe a resposta. "O país é reduzido mas variado, quase uma Europa de bolso, com cidades pequenas e muita natureza. Há desporto na escola, boas infraestruturas e muitos clubes. É o país mais rico vindo do bloco comunista e toda a gente pode praticar desporto. Até ao final do último século apostava-se na ginástica, agora todos praticam de tudo. Os atletas são respeitados e apoiados, a importância económica do desporto reconhecida e o eslovenos são trabalhadores e ambiciosos. Já nos tempos da Jugoslávia tínhamos grandes atletas", pode resumir-se da explicação dada por Bergant, entusiasmado desde o triunfo de Roglic na Vuelta. O país, percebe-se, sempre foi mais do que Zlatko Zahovic, futebolista que viveu o seu auge no FC Porto e era a maior estrela eslovena na transição do século. Agora, além dos ciclistas há Luka Doncic, basquetebolista que lidera os Dallas Mavericks aos 21 anos, Tim Gajser, duas vezes campeão mundial de motocrosse, e pódios das seleções de andebol, basquetebol e voleibol. "E há mais: neste país pode ficar-se rico nos saltos de esqui, montanhismo ou judo."
No ciclismo, Roglic e Pogacar estão no topo de uma lista de 26 profissionais pontuados no ranking mundial, sendo dez deles de equipas World Tour. Como rampa de lançamento, a maioria teve a Adria Mobil, equipa que faz formação desde 1972 e onde se destaca agora Janez Brajkovic. De 36 anos e regressado a casa, ele foi o primeiro famoso, ao pensar-se que iria ser um sucessor de Lance Armstrong na Discovery Channel. Só o foi nos problemas com o doping...
"Batalha pela amarela não acabou"
Tadej Pogacar está a 40 segundos do compatriota Primoz Roglic, mas promete atacar, sendo previsível que o faça amanhã, dia da etapa mais difícil. "A batalha pela amarela ainda não acabou. Não vos posso dizer onde será, que nesse caso não seria surpresa", brincou ontem o jovem da UAE Emirates, que já reconheceu o Col de la Loze, talvez a subida mais dura do Tour (18,6 km a 7,7%). Roglic respondeu gravando um vídeo, desejando que seja um esloveno "a festejar em Paris, e espero que seja eu". "Vamos fazer o nosso trabalho, sem perder concentração", completou o líder da Jumbo-Visma.
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