"Que o sucesso de 2019 seja o alicerce para fechar um ciclo com a medalha olímpica do Jorge"

O Sporting sagrou-se bicampeão europeu em 2019
Pedro Rocha / Global Imagens
O ano que terminou foi o melhor da história do judo leonino e a O JOGO, Pedro Soares, líder do projeto desde 2007, acedeu a fazer um balanço do que viveu.
Que análise faz de 2019? É indiscutivelmente o melhor ano da história do judo do Sporting?
Do Sporting e por inerência também o meu! [risos]. Foi um ano de ouro para o judo do Sporting e judo nacional também. Em menos de um ano, festejámos três títulos importantíssimos. Fomos campeões europeus a 8 de dezembro de 2018 e revalidámos o título em novembro. Pelo meio, o Jorge Fonseca foi campeão do mundo. Não poderia ser melhor.
Em 2013, com o Jorge campeão da Europa em sub-23 e vitórias coletivas nacionais em todos os escalões, perspetivou-nos uma década de ouro. Não foram precisos 10 anos..
É verdade. Tive uma visão [risos]. Estamos a colher os frutos deste primeiro grande projeto. As coisas foram feitas de forma consistente. Houve uma emancipação nacional. Seria impossível sermos os melhores lá fora, antes de sermos os melhores cá dentro. Em 2013, temos o Jorge campeão europeu de sub-23, num escalão da formação e todos os jovens a vencerem os campeonatos por equipas. Já se sabia que os frutos poderiam ser colhidos nesta altura.
Sente que há uma capacidade de reinvenção na equipa, face à adversidade? Não conseguiu contar com o iraniano Saeid Mollaei nesta Champions, mas recrutou um substituto. João Martinho abriu o sobrolho antes da prova e foi fulcral...
Sim, mas comecei a reinventar os - 81 kg antes disso. Reinventei duas categorias de peso em muito pouco tempo. Em - 73 kg perdemos o Nuno Saraiva devido a uma contusão e em - 81 kg, além do iraniano que não veio por motivos políticos, saiu o Anri Egutidze [rumou ao Benfica]. Depositava capital de confiança em ambos. Fiquei com o João Fernando (- 73 kg), vice-campeão da Europa júnior, mas que é um miúdo e o Martinho que uma semana antes tinha perdido a final do nacional para o Miguel Alves. Nem usei o campeão nacional. Só podemos ter dois estrangeiros a competir, mas o nome do Sporting no panorama mundial do judo é tão forte, tão rico e estável que ninguém nos diz que não. Pelos nossos resultados, é fácil reinventar esta equipa. Se precisar de um atleta dificilmente não terei os melhores do mundo.
Voltou a não contar com Rustam Orujov também...
Temos o Niko [Nikoloz Sherazadishvili] que luta por nós desde bebé. Já faz parte da mobília, mas tudo o resto é flexível. Vamos mexendo nos estrangeiros e de edição para edição troco sempre. Estivemos sem o Orujov, que competiu pela equipa sérvia que foi terceira, mas até senti que o coração dele estava connosco. O coração dele estava do nosso lado e curiosamente nunca ganhámos a Champions com ele. Foi o nosso Ronaldo da equipa, ganhou os combates todos e quando o perdemos vencemos e falamos de um atleta numa categoria que até me fazia falta.
Fechada a equipa, é passar a mensagem de que são os homens que temos e é para lutar pelo ouro. Os portugueses sabem que têm de se superar e é passar-lhes essa responsabilidade, criando cultura de vitória. Este ano estávamos com uma equipa teoricamente muito mais fraca que o ano passado, olhando ao ranking dos atletas.
A mentalidade, espírito, vontade, garra e ambição eram superiores, porque os atletas que lutaram naquela prova foram responsabilizados e já sabiam que iam luta bastante tempo antes daquela prova. Falo do João Fernando e do João Martinho. No ranking, não eram tão cotados, mas em ambição eram muito maiores. O Martinho venceu dois combates e tivemos o João Fernando que todos que o viam combater não diziam que era um miúdo.
Fomos colmatar a ausência de atletas teoricamente mais fortes com o aumento de capital de confiança e garra.
Não há volta a dar, a prova do João Martinho naquele dia fez a uma diferença e ajudou-nos muito a revalidar o título.
Com tudo o que ganhou como atleta e agora como treinador, com que espírito entra para cada treino?
Há uma coisa que me tem surpreendido, a minha motivação. Começo a achar que a minha ambição não tem limites, mas entro na sala de judo com mais vontade do que no dia anterior. Vou tratar este projeto com o maior carinho. A minha energia e foco vai ser sempre vencer a competição que nos projeta para o mundo inteiro e enquanto tiver essa força e motivação em alta, este projeto estará sempre bastante vivo, vai vigorar e dominar durante largos anos. Tenho a certeza disso.
A esta distância, como olha para os Jogos Olímpicos?
As coisas estão bem com o Jorge, há que não perder o foco. Que nenhum de nós os dois perca o foco. Espero que o sucesso que vivi em 2019 seja o grande alicerce e injeção de confiança para fechar um ciclo com chave de ouro, ou seja, com o Jorge a conquistar a medalha. Aí encerraríamos um ciclo. Teríamos depois de alargar horizontes e objetivos a outros atletas, fazer isto com mais atletas e mais vezes. Depois, no final dos quatro anos deste ciclo olímpico, pomos tudo em cima da mesa: o que fizemos de bom, menos bom e o mau.
Ao projeto falta agora a medalha olímpica?
Falta a nós e a muita gente. É evidente que é a medalha olímpica que nos coloca num patamar de excelência perante o mundo inteiro. Pelo retorno, estatuto e mediatismo há diferenças entre o Mundial e os Jogos, mas grau de dificuldade é o mesmo. Já imortalizámos o Jorge para o nosso desporto, falta imortalizá-lo para o mundo inteiro, mas temos os pés bem assentes no chão para o bom e para o mau. Aconteça o que acontecer nos Jogos, o Jorge não vai deixar de ter sido campeão do mundo. Nada nos garante que sejam os mais cotados a vencer medalhas nos Jogos, porque o judo não é mensurável. Não vamos julgar nem condenar, ou achar que o Jorge não era assim tão bom se não correr tão bem como esperamos e aqui entra a parte psicológica no desporto de alto rendimento. Ao ser-se apontado a uma medalha, não nos podemos sentir pressionados e obrigados a fazê-lo. Importante é entrar lá para dentro e pensar que é só mais um combate. Quanto menos vezes ele pensar que está nos Jogos, melhor.
Além do Jorge, o que esperar da Joana Ramos?
Foi quinta no mundial. Está a tentar curar uma lesão no ombro neste momento. É das atletas mais honestas, sinceras e mais competentes que o judo português já teve. É a quarta vez que faz mínimos para os Jogos. Há 16 anos que tem estado entre a elite mundial. Neste último ano, talvez tenha sido dos percursos mais sólidos que fez até a uns Jogos. Vamos esperar dela o melhor e num dia sim, vai disputar medalhas.
