Presidente da Federação de Motonáutica: "Futebol está transmitir uma mensagem errada"
Paulo Ferreira, presidente da Federação Portuguesa de Motonáutica, que transferiu as verbas de uma competição para comprar ventiladores, diz-se alinhado com o Governo na luta à pandemia. O líder federativo cancelou as atividades logo aos primeiros sinais da pandemia e diz que o futebol deverá fazer o mesmo, por considerar que um regresso será arriscado
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Paulo Ferreira lidera a Federação Portuguesa de Motonáutica há dois anos e nesse período colocou a modalidade no mapa do desporto português. O JOGO contactou-o, daí resultando uma conversa sem tabus e na qual teceu críticas a Pedro Proença.
Qual o impacto da covid-19 na motonáutica?
-A Federação Portuguesa de Motonáutica procura levar o desporto a vários pontos do país, estando por isso dependente do bem-estar dos municípios que com ela colaboram. Foi evidente desde o primeiro momento que a calendarização não poderia cumprir-se. Face às previsões de evolução do surto, não poderíamos aguardar pela iniciativa das organizações internacionais e, em meados de março, comunicámos a suspensão da atividade desportiva internacional agendada para abril e maio em Portugal, incluindo a etapa do Europeu de aquabike [Penafiel] e as etapas do Mundial de aquabike e do Mundial de F1 [Portimão].
Não terão sido decisões fáceis de tomar...
-Não foram, mas estamos conscientes da necessidade delas. E foi um orgulho juntarmos o nosso nome à aquisição de ventiladores destinados a aumentar a capacidade de resposta à covid-19 em Portimão, através do montante inicialmente destinado a garantir as provas naquele concelho [Portimão]. Uns dias depois colocámos os nossos colaboradores em teletrabalho. Através dos nossos canais de comunicação, apelamos constantemente à necessidade de cumprir os deveres de confinamento. Só assim poderemos retomar no futuro o plano de atividades.
Está então a cumprir todas as diretivas do Governo?
-Estamos alinhados com as decisões governamentais nesta matéria e consideramos louváveis os esforços da Administração Pública para travar a epidemia em Portugal, desejando que os bons indicadores se mantenham. Uma resposta firme e atempada é o principal fator de diferenciação. Lamentamos, porém, que o futebol não tenha a mesma sensibilidade perante este cenário.
Está a criticar as posições dos responsáveis pelo futebol?
-Os órgãos responsáveis pelo futebol têm transmitido uma mensagem errada através das suas posições. É inquietante que o desporto com maior popularidade no país não assuma a sua responsabilidade social e manifeste uma preocupação desmesurada com o lado financeiro, face à questão de saúde pública. Evidentemente, considerando as informações de que dispomos, não se encontram reunidas condições para terminar a época em segurança, e forçar o cumprimento do calendário com jogos à porta fechada é um erro. Não se deve descartar a hipótese de terminar já a época em curso, por ser uma alternativa realista que coloca a saúde em primeiro lugar.
Essas críticas são para alguém em concreto?
-Dirijo estas palavras ao presidente da Liga, Pedro Proença. E explico a razão: não tem lógica a Liga querer dar férias as jogadores e, de seguida, colocá-los a jogar; se eles estão agora com as famílias, a probabilidade de regressarem infetados é elevada, podendo agravar ainda mais a pandemia em Portugal e pôr em causa o enorme esforço de toda a restante população. Esta é a realidade e isto preocupa-me muito.
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"Um abril de contenção e esperança"
Paulo Ferreira é empresário do sector da saúde, falando da pandemia com conhecimento de causa.
Como analisa a atual situação mundial?
-Vejo a situação com elevada apreensão. No entanto, tenho observado de perto os esforços e o empenho da comunidade científica e, em particular, dos profissionais de saúde que estão em todas as linhas no combate a este flagelo. Não posso deixar de louvar os que estão no terreno. Pelos dados que me têm chegado, creio que teremos um mês de abril de elevada contenção, mas também de esperança. Os nossos governantes têm revelado uma enorme maturidade e acredito que num curto/médio prazo estaremos em condições de sair, faseadamente, do estado de emergência.
"Damos mais sinais de vigor"
A motonáutica viveu dias difíceis, mas o novo elenco federativo já operou a recuperação.
Como está a Federação Portuguesa de Motonáutica?
-Encontra-se estável, dando cada vez maiores sinais de vigor, em contraste com o verificado em anos anteriores. O ano de 2019 foi marcante. Além da inauguração da nova sede, estabelecemos um elevado grau organizativo nos eventos que decorreram em Portugal, o que nos trouxe o reconhecimento da UIM, a federação internacional. Permanecemos empenhados em cumprir o restante calendário previsto para este ano dentro da normalidade.
Que provas conta ter?
-Três ou quatro provas no campeonato nacional de aquabike e continuar a trazer competições internacionais de alto nível ao nosso país, este ano com destaque para a etapa inaugural do Mundial de F2 em Vila Velha de Ródão. Estamos entusiasmados por trazer de volta o Europeu/Mundial de Fórmula Futuro a Lisboa [28 de julho a 2 de agosto], o que demonstra a nossa preocupação com esta categoria, pela sua importância para a entrada dos atletas no desporto náutico.
Foram 350 mil euros para ajudar
"No plano desportivo, existem dois pesos e duas medidas, pois as federações reagiram em uníssono no início da pandemia, protegendo atletas e população. Agora, e contrariamente à fase inicial, existem federações que, ao invés de proteger os atletas e funcionários dos clubes, têm mais interesse no retorno de verbas de transmissões televisivas e tentam, por todos os meios, retomar o seu calendário", criticou Paulo Ferreira, dando o exemplo da postura da motonáutica: "Na qualidade de presidente da Federação, aceitei a proposta do município de Portimão, feita pela sua presidente Isilda Gomes, para direcionar a verba inscrita para o GP de F1 de Portimão, que era de 350 000 euros, para a aquisição de ventiladores, cancelando a prova ao invés de a adiar."