Portugal brilhou no Europeu e selecionador diz: "Agora não podemos morrer de sucesso"
Paulo Jorge Pereira fez o balanço do Europeu numa longa entrevista, cheia de revelações, mas apontando já ao futuro e tendo no horizonte os Jogos Olímpicos.
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Nasceu em Amarante, mas mudou cedo para o Porto, com os pais, para zona dos Clérigos, onde brincou e cresceu. Começou a jogar no Desportivo de Portugal e apareceu de forma mais mediática no FC Porto, primeiro como adjunto de José Magalhães, depois do sérvio Branislav Pokrajac, duas pessoas que refere como importantes na sua carreira. Fez-se treinador principal nos dragões e, três épocas depois, deixou o clube e partiu em busca do mundo, ou seja, foi o primeiro a profissionalizar-se fora do país: Espanha (Cangas), Angola (seleção e 1.º de Agosto), Tunísia (seleção e Esperance de Tunes), Roménia (CSM Bucareste) foram pousos do comandante que apelidou os seus jogadores de "Heróis do Mar", levando-os a um feito inédito no andebol nacional. Eis a entrevista após o sexto lugar no Europeu.
Disse que escreveu "obrigado" aos jogadores no quadro antes do último jogo. E se os portugueses lhe disserem a si obrigado?
-Eu fiz a minha parte. Claro que é muito bonito e para todos nós. Em qualquer profissão, das melhores coisas que existem é o reconhecimento, sobretudo dos pares, dos que trabalham na mesma profissão; e depois também dos outros. Mas nós não temos muito esse hábito de reconhecer o esforço. Faz parte da nossa forma de estar. Embora, desta vez, tenha recebido de toda a gente, é uma coisa inacreditável, algo que nunca pensei. Muita gente, incluindo o senhor Presidente da República, que me ligou cinco vezes. E no sábado ligou-me antes do jogo, mas já não tinha o telefone comigo. Disse ao Paulo Fidalgo que depois tinha de lhe ligar, mas até foi ele a ligar logo a seguir ao jogo.
Esta seleção aprendeu bastante. O selecionador também?
-Aprendemos todos. Isto é assim, ou ganhámos ou aprendemos, como disse o nosso querido Nelson Mandela. Se soubermos aprender, nunca perdemos.
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Que aprendeu?
-Aprendi, e disse aos jogadores no balneário, que todos temos um carácter diferente, mas podemos fazer coisas interessantes desde que haja respeito mútuo. Isso para mim também foi uma aprendizagem. Quando era mais jovem, era capaz de me focar em coisas que não tinham interesse nenhum, coisas relacionadas com o ego, com o "quem é que manda". Na verdade, o que interessa é fazer com que cada pessoa renda o máximo possível, dentro das suas características, e não apenas a forma de jogar, mas também a forma de estar. Acabámos por funcionar bem com essas diferenças.
Como define a sua liderança?
-Não sei se exijo muito ou pouco. Sei que a mim exijo o máximo e, se calhar, quando os outros veem isso sentem a obrigação de também o fazer.
É defensor de honestidade e frontalidade?
-Sempre! Mas sempre funcionei assim, para o bem e para o mal. Se calhar tenho muitos inimigos por causa disso, mas ainda bem que os tenho.
Como é lidar com o facto de ter de deixar um jogador quase sempre de fora, como o Capdeville, ou a jogar pouco, como o Tiago Rocha?
-É difícil, mas a partir do momento em que se explica a quem fica de fora, as pessoas entendem. Explicámos com honestidade, dizemos "vais ficar de fora por causa disto", e já está.
Que é necessário para se ser um jogador da seleção?
-Desde logo é preciso dizer que os atletas não andam aqui por dinheiro. Precisam de uma vontade grande de estar aqui. Temos de contribuir para que os atletas sintam o que é representar o país e às vezes não é fácil. Sinto que cada vez mais se perdem esses valores do patriotismo, da bandeira, o cantar o hino e senti-lo; não é cantar o hino como se canta um rap.
Teve de incutir isso em alguns atletas?
-Eles são diferentes uns dos outros. Mas se sentir que um atleta não tem um mínimo de sentimento, tem alta probabilidade de sair.
Já aconteceu com algum?
-Talvez...
"NAU MAIS FORTE PARA OS JOGOS"
Paulo Jorge Pereira esteve no Dínamo de Bucareste e na Seleção Nacional, sendo natural que possa voltar a acumular tarefas.
Que clube vai treinar agora?
-Não sei, há uma série de possibilidades...
Será em Portugal?
-Não, em Portugal é muito difícil. Poderá haver algumas possibilidades, mas ainda estamos a ver e possivelmente só depois do pré-olímpico.
Selecionador quer mais união no andebol e pede o apoio dos clubes em nova "missão impossível"
Tem contrato com a federação até quando?
-Este ano e mais dois, mas fui sempre muito honesto com o Augusto [Silva, vice-presidente da Federação de Andebol de Portugal] e ele comigo. Disse-lhe que este lugar não era meu: o lugar é de alguém que vem ajudar Portugal. Já houve outros antes e haverá outros depois, não estou agarrado a nada e oxalá um dia possa fazer uma conferência de Imprensa ao lado da pessoa que entrar. Seria um exemplo espetacular.
Que falhou nos últimos 14 anos, de apuramentos perdidos?
-Nos 14 anos não sei, mas eu também falhei. Devíamos ter eliminado a Sérvia e ido ao Mundial, mas creio que coloquei demasiada pressão. Disse várias vezes: criei pressão nos atletas, porque tinha de ser naquela altura. Tinha de ser e não foi, porque pus tanta pressão que não funcionou. Agora estamos num registo de compromisso, mais tranquilo e tem saído bem. Fomos mudando, inclusivamente na forma de pensar, e agora jogamos contra qualquer seleção. Mas sei o que podemos fazer mais: aproveitar esta onda positiva, ficarmos ainda mais unidos. Estamos a falar de toda a comunidade do andebol. Temos de aproveitar, deitar fora o que é lixo, aquilo em que perdemos tempo, e focar-nos no essencial. E, a partir de hoje, o essencial é o pré-olímpico. Aí teremos de fazer um sacrifício todos, mas mesmo todos, para podermos combater outra vez com a França, a Espanha ou a Croácia e o Egito ou a Tunísia [será com Croácia e Tunísia]. Mas temos de ter a inteligência suficiente para não morrer deste sucesso.
É mais uma missão praticamente impossível?
-Estamos a falar de mais uma grande batalha. Neste momento atracamos em porto seguro, agora há que começar a trabalhar para construir uma nau mais forte; se não a tivermos, não vamos conseguir, E vejam, estamos a falar dos Jogos Olímpicos! Agora a influência dos clubes vai ser muito maior. Para o Europeu tive mais tempo para preparar a equipa, no pré-olímpico não será assim, são dois dias e logo o jogo.