Pedro Portela brilha em França e comenta: "O que o FC Porto e o Sporting fizeram..."
Ponta direita está a fazer sucesso na liga francesa de andebol e diz que no país onde joga se interrogam por que Portugal tem falhado Mundiais e Europeus.
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Pedro Portela, que está ao serviço da Seleção Nacional - o estágio terminou ontem, retomando-se depois de amanhã -, fez uma visita ao Porto e conversou com O JOGO.
Fecha no Porto um ano em que se estreou a jogar no estrangeiro. Como correu esta primeira meia época fora do país?
-Muito bem, está a superar as minhas expectativas. Encontrei um campeonato mais exigente, muito competitivo, em que o último pode criar problemas aos que se encontram nos primeiros lugares. Foi uma boa opção.
O Tremblay deste ano, em que é sétimo, nada tem a ver com o da época passada, que terminou em 11.º, perto da descida...
-Mudou um bocado a equipa e estamos a ultrapassar as expectativas. O objetivo era a manutenção e estamos bem longe dos últimos lugares e na segunda volta podemos fazer uma campanha melhor do que na primeira.
Passar de um bicampeão nacional para uma equipa que luta para não descer não terá sido fácil?
-É muito diferente jogar no Sporting ou no Tremblay. É diferente para um jogador que estava habituado a ganhar jogos, como sucedia no Sporting, ter agora de dar provas do seu valor. Psicologicamente é diferente porque se perde mais vezes. Tive de me adaptar a uma nova postura. Já temos cinco derrotas e eu no Sporting havia épocas que não perdia tanto. Era um hábito que não tinha, mas a que tive de me habituar. Mas também há bons resultados: empatámos com o Montpellier, em casa, e com o Dunquerque.
Sentiu diferenças na qualidade de treino?
-A nível da pré-época, foi mais duro em França. Lá trabalha-se muito mais fisicamente.
Como é que Tremblay tem uma equipa na I divisão francesa?
-É uma vila muita dedicada ao andebol. No nosso pavilhão, os miúdos das escolas jogam andebol e temos treinadores a trabalhar nas escolas. Nos nossos jogos, às quartas-feiras, temos sempre 1400 pessoas a assistir. Em Portugal isso só acontece nos dérbis e clássicos
Tem saudades de Portugal?
-Da cidade, dos amigos, da família, mas como fui bem acolhido isso ajuda.
Passar de uma grande cidade como Lisboa para uma pequena vila foi um choque?
-A minha sorte é viver perto de Paris e, como tenho fins de semana livres, dá para passear. Tremblay é uma vila dormitório, não há muito que fazer lá. Paris dá para muita coisa. Jantar fora e fazer visitas, por exemplo.
Só saiu de Portugal depois de mais de 10 anos a jogar no Sporting...
-Sempre quis jogar no estrangeiro. Talvez não tivesse essas ambições quando comecei, em Leiria. Mas quando passei a ir à Seleção, nas camadas jovens, e me transferi para o Sporting, começou a surgir o bichinho de ir para fora.
E porquê só agora?
-Já tinha havido contactos no passado, mas só agora surgiram coisas concretas. Foi na altura certa. Se fosse mais tarde já não sairia. Ficaria cá.
Significa que um regresso a Portugal é possível?
-Tenho mais um ano de contrato e é em França que quero ficar.
Aconselha a emigração?
-Depende de jogador para jogador. Da ambição de cada um. Gostava que fossem mais a emigrar. Seria bom para todos.
Os portugueses já são apreciados em França?
-Já nos respeitam, concluíram que temos qualidade e até perguntam por que é que a nossa seleção não está presente no Mundial e no Europeu.
A que se deve a passagem de ano no Porto?
-É a primeira vez. Tenho cá amigos e foi por isso que fiz essa opção.
Amigos do andebol...
-Sim. O Rui Silva, o Tiago Pereira, o António Areia.
Já conhecia a cidade?
-Não, não conheço bem. Só alguns pontos. Os mais conhecidos.
"O que o FC Porto e o Sporting fizeram é bom para o andebol"
Apesar de distante, Pedro Portela está atento ao que fazem as equipas nacionais e analisou o desempenho do Sporting na Europa: "Não me surpreendeu. Conheço toda a gente e estou convencido que podem qualificar-se no play-off com o Dínamo Bucareste. Já esperava que conseguisse passar a fase de grupos." Quanto ao FC Porto, considerou: "Surpreendeu-me. Estava mais convencido que fosse o Benfica a passar. Acreditei depois do resultado na Alemanha. Ninguém poderia imaginar que estaria a ganhar por 12 golos a uma equipa alemã. O que fizeram é muito bom para o nosso andebol."
"Exige-se um jogo perfeito"
Pedro Portela tentou explicar por que é que França já ganhou tudo o que há para ganhar e Portugal há muito que está ausente de Mundiais e Europeus.
Por que há uma tão grande diferença entre o andebol dos dois países?
-Há uma estrutura montada e o andebol é o terceiro desporto mais importante de França, depois do futebol e do râguebi. A cultura desportiva é diferente da nossa, onde o futebol e o futebol de salão têm uma importância cada vez maior. Lá, não é só o andebol, sucede também com outras modalidades, com academias no país inteiro. Daí passam para os centros de formação dos clubes. É outra realidade. Ainda agora, no Europeu feminino, os pavilhões estavam cheios, com muitas crianças a ver andebol. A cultura desportiva nasce aí.
A verdade é que os êxitos do andebol francês, em homens e mulheres, são imensos...
-Souberam preparar-se para isto. Não surgiu do nada.
O que transportaria de França para Portugal?
-Não é fácil. Porque tudo nasce de apoios do Estado em França que não existem em Portugal. Há investimento e uma cultura desportiva que aqui não há.
França vai ser o nosso adversário na qualificação para o Europeu. Ganhar-lhe pontos é impossível?
-Não é fácil jogar contra uma França que não está qualificada. Só com um jogo perfeito da nossa parte, cá.
Esta é a nossa melhor seleção de sempre?
-Tem jogadores jovens, com muita qualidade, mas não se pode dizer que é melhor do que algumas anteriores. Tem mais jogadores a jogar lá fora e isso pode ser importante.
Esta seleção não está marcada por uma série de qualificações frustradas?
-Continuamos a ter muita vontade de lá chegar. Isso será uma forma de o nosso andebol ganhar ainda mais respeito lá fora. Se formos a um Europeu, vamos ter classificações de qualidade.
Já falhou por muito pouco?
-Falta-nos esse passo. É a grande diferença entre estar e não estar nos grandes momentos.
Acha que, se passar pela primeira vez o obstáculo de um apuramento, Portugal pode depois tornar-se assíduo nos campeonatos internacionais?
-Creio que depois da primeira vez tudo irá ser diferente. Deixar de estar quase lá será um momento decisivo para todos nós.
