Pedro Cruz estreou-se na Champions com o FC Porto: "Momento certo chegou aos 37 anos"
ENTREVISTA, PARTE I - Foi o patrão do ataque do Águas Santas durante 14 anos e esta época reforçou o FC Porto. Já ganhou a Supertaça, estreou-se na Champions e vive um momento inesperado em fase avançada da carreira
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Pedro Cruz, formado na Académica de São Mamede e com passagens por Boavista e Sporting, ganhou fama ao tornar-se numa referência do Águas Santas, onde mandou no ataque mais de uma década, sendo por nove vezes o melhor marcador do campeonato. Este ano mudou para o FC Porto e entrou numa realidade diferente.
Aos 37 anos, como vive esta nova fase da sua vida, num clube que se bate entre os gigantes europeus?
-Já comentei com pessoas próximas que é inacreditável como passei de uma realidade em que os objetivos eram completamente distintos, para de repente estar a jogar contra um Barcelona no Dragão Arena completamente cheio.
Como foi a adaptação?
-Não tem sido difícil. Já conhecia a maior parte dos meus colegas. Onde senti mais dificuldade foi no estilo de jogo. Tudo o que fazemos no FC Porto é completamente diferente. Existe uma adaptação natural, que leva o seu tempo.
Passou de um clube em que era líder para outro em que é mais um a trabalhar para a equipa. Isso mudou-o?
-Rigorosamente nada. Para mim é muito mais fácil estar inserido num grupo com tanta qualidade do que na situação em que estive, que não foi má, mas que me obrigava muitas vezes, mesmo estando em dias menos bons, a assumir constantemente o jogo. Aqui não tenho essa necessidade, muito pelo contrário.
Era mais desgastante, emocional e fisicamente?
-Completamente. O facto de ter de estar a defender e a atacar durante 60 minutos, praticamente todos os jogos da época, não é fácil para ninguém, muito menos para mim, com a idade que tenho. Por muito que me cuide e esteja bem fisicamente, com o avançar da idade não recupero da mesma forma de um jogo para o outro.
E como geria isso?
-Sem problemas. Sabia que era o meu papel. Não tinha qualquer tipo de problema em ter de assumir o jogo todo. Era mais frustrante nos jogos menos bons, porque sabia que ia ter de assumir novamente quando as coisas não corriam tão bem, mas fazia parte da minha realidade.
No Águas Santas foi em nove épocas o melhor marcador do campeonato. Esse registo ajudou-o a chegar ao FC Porto?
-Não acredito. Viram em mim outras qualidades, que não só as de atirador: a experiência, o jogo com o pivô, a defesa, o facto de poder jogar em várias posições na primeira linha. Não vim para o FC Porto por ser o melhor marcador, porque felizmente o FC Porto tem excelentes atiradores.
Porque acha que a mudança não aconteceu antes?
-Durante muito tempo dei preferência à minha estabilidade familiar. Tenho dois filhos e preciso pensar no bem estar deles. Houve oportunidades para sair, mas nunca foi o momento certo. O momento certo chegou aos 37 anos e ainda bem que chegou. Prefiro acreditar que as coisas acontecem quando têm de acontecer. Infelizmente para mim, não vivi mais cedo tudo o que estou a viver hoje. Mas ao mesmo tempo estou muito feliz por ter chegado cá. Acontecer aos 37 anos é, para mim, um motivo de orgulho.
Esse adiar do salto não o prejudicou?
-Para me arrepender dessas decisões, teria de me arrepender de ter dois filhos... Tive convites para o estrangeiro, para Lisboa, mas existiam muitas condicionantes. Quero fazer uma ressalva: o Águas Santas sempre me tratou muito bem e fez muito esforço para que eu lá estivesse todo este tempo.
Não seria mais fácil ir passando para um cargo técnico no Águas Santas do que arriscar no FC Porto?
-Não, porque não estava a pensar deixar de jogar.
Ataque sete contra seis: "Foi uma adaptação ter de mudar de posição"
Ainda a adaptar-se a um novo modelo de jogo, Pedro Cruz sente-se confortável e dá o exemplo do ataque em sete contra seis, que tem sido arma do FC Porto. "O sete contra seis funciona muito bem na nossa equipa, porque existe uma boa ligação", refere, explicando: "É um risco, porque perdendo a bola é um golo fácil para o adversário. Obriga-nos a jogar de maneira diferente. Obriga as defesas a trabalhar de forma diferente e numa posição desconfortável, porque o que se treina diariamente é o seis contra seis. Foi uma adaptação para mim, ter de mudar de posição".
"Sou um atirador nato, sempre fui"
Sempre se dedicou apenas ao andebol?
-Entrei em Enfermagem, mas depois senti que, se me tornasse mais profissional, conseguiria atingir outros patamares. Deixei a faculdade em segundo plano e acabei por cancelar a matrícula, o que foi um erro tremendo da minha parte. Podia ter levado 10 anos, mas tinha concluído o curso.
Que gostaria de fazer quando deixar de jogar?
-Gostava de ficar ligado à modalidade, de ser treinador.
Há quem diga que esse cargo é mais difícil, porque o jogador desliga em casa e o treinador está sempre a pensar o jogo...
-Quando chego a casa vou ver os meus jogos. Se fizer um bom jogo, posso ver no dia a seguir; se fizer um mau jogo vou vê-lo na hora, para anotar o que fiz mal.
Como se tornou central?
-Sou lateral-esquerdo. Quando chego ao Águas Santas, pela mão de Paulo Faria, que vem de uma escola de centrais, que são organizadores e praticamente não rematam à baliza, ele disse-me: se quiseres ser alguém, ir para um bom clube, tens de te tornar um bom central sem nunca perder aquilo que fazes bem, que é rematar. Tens de te habituar a organizar, a ler o jogo, mas sempre a rematar, porque se fores só lateral-esquerdo isso é o que não falta. Tinha toda a razão e ajudou-me imenso nessa adaptação.
Como é jogando a central?
-Sou um atirador nato, sempre fui, mas aprendi a ler o jogo, muito fruto do trabalho com Paulo Faria nesse início na posição. O central tem de perceber quem é o pior defensor do adversário, quem está mais cansado, quem é mais suscetível a uma exclusão, estar atento ao jovem que acaba de entrar para a defesa. A cabeça de um central está sempre a pensar.
Se como central pensa o jogo, na vida é uma pessoa cerebral?
-Não sou a mesma pessoa em campo e fora dele. Fui muitas vezes insuportável com colegas, por querer a perfeição. Fora de campo sou tranquilo.