Holandesa Annemiek van Vleuten era das favoritas na corrida feminina de estrada, mas uma queda atrasou-a e acabou por fazer uma prova heróica e um não menos heróico sétimo lugar no Mundial
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O ciclismo tem inúmeras histórias de superação. A Volta a França deste ano forneceu uma das mais famosas, a do americano Lawson Craddock, que caiu no primeiro dia e fez a corrida inteira com uma omoplata fraturada, mas a capacidade de resistência de Annemiek van Vleuten, no Mundial de Innsbruck, superou o que se pensava ser humanamente possível: no passado sábado fez 90 quilómetros com uma fratura num joelho, atacou para terminar no sétimo lugar e ficou zangada por não ser campeã!
"Gostava de estar a escrever uma mensagem positiva, sobre um título mundial. Infelizmente, não é. Para mim, o Mundial terminou com uma deceção, por não conseguir o título e por ter partido um joelho", escreveu, em longa carta publicada no seu site pessoal, a holandesa de 35 anos que dias antes se sagrara bicampeã mundial de contrarrelógio e que alinhava na corrida de fundo como uma das favoritas, pois este ano vencera o Giro de Itália, a mais famosa das provas femininas.
Quando ela cai, Van Der Breggen ganha!
A campeã mundial de estrada foi outra holandesa, Anna van der Breggen, que parece estar ligada à compatriota por um estranho destino: em 2016 sagrara-se campeã olímpica, no Rio de Janeiro, depois de Van Vleuten, que seguia isolada para a vitória, ter caído na descida da Vista Chinesa, fraturando três vértebras lombares e escapando por pouco à paralisia. Apesar da gravidade do acidente, o mais assustador desses Jogos Olímpicos, dez dias depois já pedalava de novo.
"O que poderia ter sido uma semana muito boa teve um final muito mau para mim. Ainda não consigo acreditar. Esta semana foi uma montanha russa de emoções. Estava com uma sensação tão boa, animada e confiante. Até ter um acidente muito estúpido, com sérias consequências depois", escreveu Van Vleuten, explicando a queda de Innsbruck, quando ainda faltavam 90 quilómetros: "Não me consigo lembrar como a queda começou. Senti que ia cair e hesitei entre ficar ou não na bicicleta. Acho que sai da bicicleta e fui infeliz. Não fiquei mesmo deitada no chão e ao levantar-me torci a perna. Quando o mecânico chegou, disse-lhe que a minha corrida tinha acabado, mas fiz como todos os ciclistas e voltei rapidamente para a bicicleta".
"Ao regressar [ao pelotão] senti que só tinha energia numa perna, mas só com essa recuperei com facilidade, graças à ajuda da Ellen van Dijk. Disse a todas que não contassem comigo, que estava a pedalar só com uma perna, mas a verdade é que não sentia muitas dores", narrou ainda, garantindo que "não tive problemas na primeira subida, nem dores na segunda, e voltei a acreditar que podia lutar pela vitória".
Annemiek van Vleuten desferiu mesmo um ataque, aquele que permitiu depois à compatriota Anna van der Breggen isolar-se e fazer uma caminhada solitária até ao título. "Estava pronta para o momento em que as outras respondessem, mas para minha surpresa ninguém o fez", contou a holandesa, que não disfarçou a insatisfação pelo sétimo lugar: "Foi uma agonia muito longa até terminar. Percebia que o Mundial não seria para mim e isso foi difícil. Só queria aquela camisola [de campeã mundial] e obviamente não queria andar atrás da Anna. Estava tão frustrada por ter as pernas paradas que apareci na última subida de 400 metros e ninguém se podia manter na minha roda. Foi por isso que também terminei em sétimo".
Só acreditou depois de operada
"O resto veio depois de terminar. Quando saí da bicicleta, senti que não estava bem. Estava lá um médico, não podia andar e fui transportada em cadeira de rodas", narrou Van Vleuten, que mesmo nesse momento nunca pensou ter uma fratura: "Foi uma queda muito pequena, não achei que estivesse mal".
A holandesa fez uma ressonância magnética, "só para excluir possibilidades", admitiu, descobrindo que "havia muitos danos". "Tenho realmente algo partido no meu joelho. Ainda vou ser examinada para saber se a cirurgia é necessária ou não", escreveu, para horas depois entrar na sala de operações.
No ciclismo, a história de Annemiek van Vleuten causou ontem espanto, pois não havia memória de alguém discutir uma corrida com uma lesão tão incapacitante. Mas a holandesa, que vai ter agora um mês de paragem total, está mais preocupada em "superar muitas deceções", a começar pela maior: "Nunca tive uma oportunidade tão grande de ser campeã mundial".