DESPORTO EM TEMPO DE GUERRA - O mais famoso Rocky tinha Balboa no apelido, mas era ficcional. Reais, bem reais foram Rocky Graziano e Rocky Marciano, campeões mundiais de pesos médios e pesados, respetivamente. Ambos "arranharam" no exército durante a II Guerra Mundial e foi aí que se decidiram a calçar de vez as luvas para fazerem história no pugilismo. O flagelo da guerra também produziu heróis com pedra nos punhos.
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Antes de ganhar fama mundial e de tornar-se, até hoje, o único campeão da sua categoria invicto, Rocco Francis Marchegiano tinha sido tudo sem encontrar a sua verdadeira vocação: coveiro, sapateiro, trabalhador dos caminhos de ferro... Mas um dos sonhos do rapaz de Brockton, Massachusetts, morava no enorme saco de correio que estufara e pendurara numa árvore da casa modesta onde morava e que ainda está de pé.
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A cada soco no saco, Rocco tornava-se Rocky. Marchegiano passaria depois para Marciano, para muitos o melhor peso pesado da história do boxe. Além de esmurrar o saco, tinha outra ardente paixão: o baseball. Chegaria até a fazer testes nos Chicago Cubs, mas foi rejeitado.
Depois de deixar os estudos e errar por outras profissões sem horizonte, Marchegiano alistou-se no exército. A II Guerra Mundial escalava e o futuro profissional foi destacado para o País de Gales. Atravessou vezes sem conta o Canal da Mancha para levar mantimentos até à Normandia, uma zona quente. Conduzia os "ferries" e esteve sob fogo intenso. Para matar o tempo e sentir-se mais próximo da sobrevivência, Rocky começou a entrar em alguns combates amadores no exército. Iniciou assim a competição de forma amadora até que terminou o serviço militar, em 1947.
De volta aos Estados Unidos, Rocco Marchegiano ficou só para a família e o ex-soldado adotou o nome de guerra Rocky Marciano - tornou-se profissional. Era peso pesado e tornou-se uma lenda. Em 1952, depois uma série de vitórias furiosas em KO, o imparável Rocky Marciano atirou ao tapete Jersey Joe Walcott, a 23 de setembro de 1952 e sagrou-se campeão mundial da sua categoria. Ninguém lhe seria capaz de tirar o cinto. Rocky foi invencível. O único pesado imbatível da história do boxe.
Antes de falecer num desastre aéreo em 1969, Marciano entrou no mundo da televisão e fez questão de interpretar um soldado na série "Combat!". Marciano sempre diria que se não tivesse servido no exército, jamais teria encontrado a sua verdadeira vocação.
Rocco Barbella era um delinquente de Nova Iorque. Na adolescência já era um assaltantes temido, aterrorizando a zona de East Side com o seu gangue de meliantes especializados em brigas. Antes de aprender a ler e escrever, Rocco, conhecido por Rocky por ter pedra nos punhos, já sabia socar. Tinha sido encorajado pelo pai, Fighting Nick Bob, um pugilista frustrado que se refugiara no álcool.
Inimigo de qualquer disciplina, Rocky passou a juventude nas ruas, onde ganhara fama em "rumbles" (lutas entre gangues). Entrou e saiu de vários reformatórios, quase sempre ao lado de Jake LaMotta, seu amigo de infância e companheiro de vários roubos e agressões. Jake tornar-se-ia também ele um campeão famoso, interpretado por Robert De Niro no laureado filme "Touro Enraivecido".
Com a II Guerra Mundial a explodir, Rocky foi integrado à força no exército, já depois de ser aprisionado em Riker"s Island, ainda hoje um dos mais duros institutos prisionais dos Estados Unidos. Em Fort Dix, o insurreto Barbella queria apressar a recruta, seguir para a frente e deixar o exército alemão knock-out. Sempre de punho fechado e avesso aos rigores da recruta, Barbella teve mais um ataque de insolência e acertou uma devastadora direita num capitão, deixando-o inconsciente. Rocky fugiu do quartel e voltou a Nova Iorque, onde entrou por acaso num ginásio. Para ganhar uns cobres, aceitou enfrentar um profissional num treino e logo o deixou estendido na lona com o seu estilo selvagem e indisciplinado. Começou então a combater. Para fugir ao radar do exército, Rocky adotou o apelido que o tornaria famoso: Graziano, marca de um vinho italiano e apelido do avô materno.
Ao começar a fazer furor, Graziano foi apanhado ao quarto combate. Ao saber que estavam dois militares à sua espera no balneário, voltou a fugir ainda a suar, em calções e tronco nu. Entregou-se ao exército uma semana depois, mas desejoso de ser levado para a Europa e combater Hitler de vez. Pediu para não ser preso. O exército fez-lhe a vontade, mas decidiu deixá-lo em casa, continuando a combater sobre a égide do exército norte-americano. Era mais útil aí. Foi como soldado que passou a subir ao ringue legalmente.
Graças a essa benesse, Rocky Graziano tornou-se campeão mundial de médios em 1947 e a história do pugilismo não pode ser contada sem mencionar a sua rivalidade com o grande amigo Tony Zale. Já retirado, Rocky reabilitou-se de vez. De arrombar casas na juventude, passou a entrar pela sala de todos os norte-americanos através da televisão, onde teve o seu próprio programa. Graziano escreveu livros e foi na adaptação ao cinema da sua autobiografia - "Somebody Up There Likes Me" - que ganhou fama um ator chamado Paul Newman, num papel a encarnar o próprio Rocky Graziano, que chegou a ser pensado para James Dean.
Tudo graças a um soldado que quis combater Hitler e lutou para se regenerar e ter sustento. Rocky Graziano morreu pacificamente, em 1990.