Opinião de José Manuel Constantino: "Errar é normal. Insistir no erro é opção"
Ao longo de mais de duas décadas o País construiu planos estratégicos para o desporto que jazem no cemitério das boas intenções.
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Portugal dispõe de um Plano Nacional do Desporto Escolar, de um Plano Nacional de Ética do Desporto, de um Plano Nacional de Desporto para Todos, de um Plano Nacional da Atividade Física. Todos estes instrumentos de planeamento estratégico, quando aprovados, tinham algo em comum: não tinham associado um programa financeiro que os suportasse. Porque será?
A explicação é relativamente simples: o planeamento das políticas públicas no setor do desporto e afins tem sido um expediente usado não para elencar e suportar medidas de política desportiva, mas para fazer do anúncio de medidas a própria política. Só isso pode explicar que programas de desenvolvimento estratégico do setor sejam aprovados e anunciados sem que um dos suportes essenciais à sua exequibilidade, o plano financeiro, seja conhecido.
A enfatização do plano em detrimento dos meios é, por isso, uma falácia e um expediente. E isso, que é imediatamente compreensível em qualquer setor de atividade, parece que no desporto é possível. E, porventura, ajuda a explicar que ao longo de mais de duas décadas o País tenha construído vários planos estratégicos para o desenvolvimento do desporto, alguns de inegável qualidade intelectual e doutrinária, anunciados com a pompa que as circunstâncias exigiam, mas que jazem no cemitério das boas intenções. Por que correm as coisas desta forma?
A resposta não é propriamente um mistério: a ausência de vontade política ou de juntar a essa vontade os recursos adequados, entre os quais os financeiros. A vontade de quem requisita os estudos esgota-se no anúncio e desaparece quando se trata de dar cumprimento ao que mandara estudar e que anuncia que vai fazer.
A invocação do planeamento estratégico no desporto tem servido como um argumento fácil e passa-culpas para o crónico défice de financiamento das políticas públicas para o desporto e, mais importante, para escamotear a ausência de uma política pública para o setor ancorada num compromisso de corresponsabilidade entre parceiros para a concretização de objetivos tangíveis estabelecidos no tempo, com um quadro de recursos, incluindo os financeiros, alocados para o efeito.
Se sairmos do planeamento estratégico do Estado central e olharmos para o que ocorre com muitas autarquias também elas dispõem de planos estratégicos para o desporto. De resto, nos últimos anos cresceu um significativo serviço de encomendas de "planos estratégicos" junto das universidades e de operadores privados, pelo que hoje são várias as dezenas de "planos" de que o País dispõe.
E se avaliarmos o que se passa no setor das organizações desportivas são muitas as que dispõem de orientações estratégicas para o respetivo desenvolvimento.
O desporto está cheio de "planos". Para que serviram e para que servem é a pergunta que tem de ser feita antes de se exigir mais planos. Para que não ocorra com os "planos" aquilo que se dizia que acontecia com muita da governação: quando não sabia o que fazer criava um grupo de trabalho.
Chegados a este ponto impõe-se a pergunta: mas não falta um plano nacional para o desenvolvimento do desporto que proceda a um alinhamento de todos os planos que já existem? Com certeza que sim e nada a opor ou a contrariar. Com uma ressalva: a necessidade de um prévio exercício crítico sobre o que falhou no passado. E o que se pretende fazer para não incorrer nos mesmos erros.
Um plano não se concretiza apenas no anúncio e num documento escrito, menos ainda numa arma de comunicação política por mais brilhante que seja, mas de um processo que resulta do compromisso entre atores-políticos e desportivos, em torno de um futuro comum, com meios, responsabilidades e objetivos que vinculem as partes.
Errar uma vez é normal. Insistir no erro é opção.