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Os 258 km recheados de subidas em Innsbruck seriam, em teoria, um traçado do agrado de Rui Costa. Mas ele viveu, aos 31 anos, a época mais difícil da carreira. Por isso, alinha no Mundial sem pensar num resultado como o de 2013, o ano do título.
Diz-se que este é um dos Mundiais mais difíceis de sempre. Teremos o Rui Costa a lutar pelo título?
É verdade, será dos mais duros de que me lembro. Em Florença foi assim, até porque o clima complicou. Estou a preparar-me da melhor forma, depois de uma paragem enorme. Treinei duramente, para ir na melhor forma possível, mas sei que este Mundial cria expectativas a muitos corredores. Sendo dura, será uma corrida muito aberta, poderão ser 20 ou 30 a discutir.
Estará entre os 20 ou 30?
Irão muitos para ganhar e outros que serão cartas abertas. Além do final complicado, uma corrida assim pode ter uma fuga e obrigar a gastar forças. É preciso estar atento a tudo, sobretudo nas últimas duas ou três voltas, pois o circuito tem uma subida de oito quilómetros e no final ainda faz outra muito inclinada, com rampas de 10% e zonas a mais de 20%.
Chegará alguém isolado?
Acredito que será um final improvisado. Irei confiar no instinto, mas também serei calculista, deixarei passar as voltas e esperarei estar num dia bom, que isso conta. Podemos estar na melhor forma e naquele dia as coisas não saírem. É preciso ter esse clique, a sorte do nosso lado.
Para se ser campeão é preciso ter as estrelas todas alinhadas?
Lembro-me que em Florença, com descidas perigosas e muita chuva, estavam sempre ciclistas a cair. Via-os cair à minha direita, à esquerda, atrás e à frente e parecia que estava protegido. Nunca caí! Por isso digo que a sorte é muito importante.
Está na forma de 2013?
É difícil saber, porque não tive tantas competições como desejava, nem uma época a correr lindamente como a desse ano, em que tinha ganho duas etapas no Tour e estava bem física e mentalmente. Mesmo assim, nunca pensei que podia ser campeão do mundo. Este ano, corri menos, mas tenho vindo a crescer e espero estar no meu melhor.
Foi a sua época mais difícil?
Foi, sim! Nunca tinha passado pelo sofrimento de uma lesão grave e três meses parado. Só conseguia ir mantendo a forma e isso comendo pouco. Não podia fazer mais nada, estava em tratamentos. Perdi massa muscular e a forma, só não ganhei peso.
Nunca colocou a hipótese de operar o joelho?
Isso não. Bati com o joelho direito no Paris-Nice e nas corridas seguintes sentia dores. Como eram meses mais frios, pensei que fosse uma dor óssea. Tinha dado uma pancada semelhante em 2014, também no Paris-Nice, sentia a mesma dor e pensei que fosse o mesmo. Fiz as clássicas e a Romandia e fiquei com muitas dores, mais uma tendinite no vasto. Só mais tarde se descobriu que a pancada tinha criado uma cartilagem pontiaguda, onde o músculo batia e, por isso, doía. Foi uma época perdida, pois apostava na Volta à Suíça e depois no Tour...
Isso não aumenta a pressão para o Mundial?
Não. Nesta temporada já perdi tudo, portanto só me resta alinhar de sorriso no rosto. Ao superar esta lesão recebi uma enorme alegria, voltar a correr é sentir-me como um pássaro que fugiu da gaiola.
Mundial já ganhou um, mas nunca vestiu uma camisola amarela no Tour. Não pensa nisso?
Esse sonho existe sempre. É o que me falta. Daí o continuar a trabalhar, pois esse é um sonho que, acredito, um dia talvez possa concretizar.
https://d3t5avr471xfwf.cloudfront.net/2018/09/oj_rui_costa_1_20180928202218/hls/video.m3u8
ANÁLISES
Futuros craques para a Volta a França
"Os dois irmãos Yates são jovens e têm imensa qualidade. O Simon ganhou a Vuelta e provou-o. E apareceu outro jovem, o Enric Mas. Surpreendeu-me. Parece ser aquele talento que Espanha procurava há uns anos. Falta falar do Egan Bernal. Corri com ele na Romandia e era impressionante. Quando ele e o Roglic atacavam, parecia que só os dois podiam ir..."
Uma mão-cheia de talentos nacionais
"Portugal tem bons valores e estão a aparecer cada vez mais. Há o Nuno Bico, o Rúben Guerreiro, os gémeos Oliveira, o João Almeida e de certeza ainda me estou a esquecer de alguns. O futuro vai ser com portugueses."
Ciclismo português e FC Porto... à Sky
"Vejo pouco ciclismo em Portugal. Estou sempre focado no meu trabalho. Este ano, fui vendo a Volta e pouco mais. O FC Porto tem uma equipa com muito nível e regular e este ano o Sporting esteve na luta, com o Joni Brandão muito bem. Gostei de ver portugueses a ganhar etapas. O nome de Sky portuguesa fica bem ao FC Porto; são fortes e unidos."
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"Não gosto de saltar muito e devo ficar na UAE Emirates"
Em dez épocas no topo do ciclismo mundial, Rui Costa teve apenas duas equipas e deverá conservar uma estabilidade que lhe agrada. Preza o bom ambiente e a liberdade que não teria numa Sky
Uma lesão em ano de final de contrato deve ser ainda mais ingrata. Já tem o futuro resolvido?
Ainda está a ser tratado, mas em princípio vou continuar na mesma equipa.
A UAE Emirates mudou muito. Está a gostar?
É um projeto ambicioso e a equipa tem vindo a crescer. Há ainda pormenores que estão a ser evoluídos, como nos materiais, pois tudo conta.
Ainda estão longe de ser uma Sky...
Não vamos fazer comparações com outros. A equipa tem tudo para crescer e mais um ano ou dois e estaremos no ponto que pretendemos.
Tem a sua carreira internacional repartida entre duas equipas. Não gosta de mudar?
Temos um grupo bom e um projeto ambicioso, portanto sinto-me bem. Não sou de saltar muito.
Nunca colocou a hipótese de correr numa equipa como a Sky?
Não, porque gosto de equipas que apostem em mim. Logo, não teria lá lugar... [ri-se] Gosto de ter alguma liberdade, de ter oportunidades. Uma equipa que determina um corredor para ganhar e todos os outros trabalham para esse não me agrada tanto.
Pensa terminar a carreira em Portugal?
Os meus planos para o futuro ainda não chegam aí. Quero continuar uma carreira internacional e acredito que, aos 31 anos, ainda tenho muito para dar.