"No pior dos casos, a W52-FC Porto poderá ficar parada esta época, regressando em 2023"
Jorge Henriques é o novo diretor-desportivo dos azuis e brancos e revelou a O JOGO uma nova aposta, que inclui equipa de sub-23. A W52-FC Porto não irá desaparecer devido à operação "Prova Limpa". Admitindo parar este ano, caso o Ministério Público apresente provas que a isso obriguem, voltará em 2023, em novos moldes.
Corpo do artigo
O mundo do ciclismo, acabrunhado desde a madrugada de 23 abril, quando a Polícia Judiciária revistou o hotel onde a W52-FC Porto estava instalada, levando os diretores desportivos Nuno Ribeiro e José Rodrigues para interrogatório e constituindo dez dos ciclistas como arguidos, pode tranquilizar.
Desta vez não está previsto o desaparecimento de uma grande equipa, pois Adriano Quintanilha, principal patrocinador, decidiu reformular o projeto, para garantir não ter problemas com doping, e contratou Jorge Henriques para o dirigir.
Em entrevista a O JOGO, o novo diretor desportivo revelou o que vai mudar.
Como se deu a sua entrada na W52-FC Porto?
-Adriano Quintanilha ligou-me logo no dia 25 de Abril. Fomos conversando, tivemos reuniões, mas era necessário processarmos o que se estava a passar e o que pretendia de mim. Essencialmente, queria perceber como poderia ser útil para o ciclismo. Na passada sexta-feira chegamos a acordo, tendo um projeto de futuro. E, muito importante, que manterá Adriano Quintanilha no ciclismo. A homens como ele, ou como o engenheiro Américo Duarte, da Efapel, ninguém pode apontar o dedo. Não precisam da modalidade e gastam nela o seu dinheiro, fazendo-o por paixão. O que se pretende, com a W52-FC Porto, é ter um projeto de futuro e credível.
O que significa isso?
-O projeto da W52-FC Porto irá passar também pela formação, na qual estou há sete anos. E com tanto gosto que ainda ontem chorei ao despedir-me de atletas, prometendo-lhes que os irei acompanhar sempre, que continuarei a ver corridas deles. O que tenho feito na formação é criar atletas pelo trabalho, empenho, nutrição e um acompanhamento intelectual, para que os valores do futuro olhem para o doping com desprezo. A condição física do ser humano é que tem de fazer a diferença. Já pensava assim no dia em que deixei de ser ciclista, perante o silêncio de colegas e diretores.
Tem consciência de que a equipa poderá ser judicialmente impedida de competir?
-Não podermos correr é um cenário que está em cima da mesa. A W52-FC Porto vai respeitar e atender a todas as decisões tidas como legais. Queremos a verdade. Se houver pessoas realmente implicadas, teremos de tomar decisões. No pior dos casos, a equipa poderá ficar parada esta época, regressando na próxima com o projeto de futuro.
Que projeto é esse, afinal?
-Este é um compromisso a três anos, com uma equipa profissional e outra de sub-23. Queremos fazer face a uma lacuna, a da falta de uma transição entre o fim da formação e o profissionalismo. A intenção é ter uma equipa de sub-23 para fazer um calendário internacional, porque cá não há condições. Os jovens entram nas corridas dos profissionais e morrem ali sem chegarem a ver a frente do pelotão. É no panorama internacional que podem mudar o "chip"; e quem mostrar valor poderá depois subir à equipa principal. É esta a nossa visão.
Isso significa mudanças na equipa a médio prazo?
-Queremos um virar de página. A W52 e o FC Porto não podem ter a imagem ligada à atual situação. São instituições que estão muito acima disto e a quem o ciclismo tem de dizer obrigado por, ao contrário de outros no passado, aceitarem continuar. O desafio é agora dar um contributo ao ciclismo, ajudar a recuperar uma era em que as grandes equipas do mundo corriam a Volta a Portugal e as nacionais estavam nas maiores provas lá fora. Temos de acabar com um ciclismo português fechado e a olhar para o seu umbigo.
Já falou com os ciclistas?
-Estive com os atletas na sexta-feira e eles sabem que a partir de agora estou na luta com eles. Tenho de confiar no que me dizem. Reafirmaram a sua inocência e a partir de agora são, para mim, os melhores atletas do mundo.
"Fui um corredor limpo e correto"
"O ciclismo tem uma imagem de patinho feio do desporto que já não corresponde à realidade. Muitos gostam de lhe atirar pedras, mas o que existe é um problema de sociedade", diz Jorge Henriques, que sente já ter a modalidade superado os piores anos. "Ter uma equipa de jovens também ajudará a mostrar que tudo o que conseguirmos será de forma limpa. Fui sempre um corredor limpo e correto e comigo não há batota, nem sequer a de ciclistas agarrados ao carro. Acredito no trabalho como forma de obter resultados sérios e honestos", garante.
"Estive 14 anos fora do ciclismo"
Jorge Henriques tem 53 anos, como ciclista profissional ganhou uma etapa na Volta a Portugal e um Porto-Lisboa, mas acabou a carreira aos 28, por não aceitar o doping que entrava no pelotão português.
"É verdade, deixei de correr em 1997 por não me identificar com o rumo que o ciclismo estava a tomar. Passei a dedicar-me a uma equipa da formação, com a Ovarense, que subiu a sub-23 e, depois, ligada à Beppi, passou a profissional", diz, sobre um percurso de altos e baixos até chegar à W52-FC Porto.
"A Ovarense conseguiu resultados interessantes, foi subindo e chegou a alinhar na Volta a Portugal. Infelizmente esse projeto não correu como esperava, os problemas do futebol arrastaram o ciclismo e a equipa acabou", conta.
"Passei depois vários anos afastado da modalidade. Ainda estudei Direito, que não era para mim, pois descobri ser mais vocacionado para o marketing. Entrei num projeto da Polisport e a seguir estive na área hospitalar", relata o natural de Válega, Ovar.
"Foram 14 anos sem ciclismo, até entrar na Escola de Ciclismo de Ovar, que mais tarde passou a ser a Academia Efapel. Foi essa a minha vida até sexta-feira passada. E admito que me custou muito deixar a Academia Efapel, foi a decisão mais difícil em 53 anos de vida", confessa.