MULHER DA SEMANA - Miguel Indurain nasceu com uma capacidade invulgar e é um herói do ciclismo; Semenya também, mas ela escolheu o atletismo e tem sido tratada como uma aberração. A resposta dá-a na pista, onde continua a ser a mais rápida nos 800 metros.
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"Hell, no!" "Nem pensar!", respondeu Caster Semenya, por estes dias, quando lhe perguntaram se está na disposição de tomar medicação para reduzir substancialmente os valores de testosterona que o organismo dela produz e que a IAAF acredita serem a explicação para o sucesso dela e de outras atletas que apresentam características semelhantes nas provas de atletismo.
A imposição de um tratamento médico desnecessário pareceu razoável ao TAS (Tribunal Arbitral du Sport), que validou a criação de um regulamento que o torna obrigatório. No atletismo, não há lugar para super mulheres, aparentemente, mas nem sempre é assim. Semenya teve azar de não nascer Indurain. Claro que todos se lembram dele. Era um super-homem e ninguém estanhou.
Desde a década de 1990 e até hoje, os amantes do ciclismo encantam-se ao recordar a extraordinária capacidade física de Miguel Indurain. A ninguém ocorreu questionar o facto de ele competir em vantagem perante os comuns humanos do pelotão. No entanto, essa vantagem existia e está solidamente documentada: um batimento cardíaco invulgarmente baixo, em repouso (28 pulsações por minuto) e uma capacidade de oxigenação superior à da generalidade dos atletas de alta competição faziam dele um super atleta e a determinação do espanhol fez o resto, ou seja, um currículo de campeão incontestado. Caster Semenya, 28 anos, também nasceu com características que, aliadas à mentalidade e ao trabalho de alta competição, fazem dela um caso sério nas pistas, mas, para lá das vitórias que tanto aborrecem a IAAF, o que ganhou com isso foi uma guerra pelo direito a ser como é.
Esta semana, perdeu uma batalha e o claro "não!" com que reagiu à imposição medicação para controlar os níveis de testosterona causados pelo hiperandrogenismo chegou a ser interpretado como um sinal de que se retiraria da competição. No entanto, essa era apenas a primeira parte da resposta. O resto ficou escrito numa pista de Doha, onde voltou a pulverizar a concorrência nos 800 metros - o Catar é o palco onde deverá defender o título mundial, em setembro. A luta está agora entregue aos advogados e à sul-africana não faltam defensores. Desde logo, a World Medical Association exortou os médicos a não implementarem o regulamento que o próprio acórdão do tribunal arbitral consideram discriminatório para atletas com DSD (diferenças de desenvolvimento sexual). Além de referir que esta imposição colide com os princípios éticos da organização, também é questionada a débil base científica, daí o apelo ao recuo imediato. Para a IAAF, vale tudo, desde que não exista vantagem em provas dos 400 metros até aos 1500 metros. No atletismo, não há lugar para super mulheres; mas, pelo mais elementar respeito pela humanidade também não.