TEMA - Não é só no futebol que Portugal exporta treinadores. Em praticamente todas as modalidades há técnicos nacionais emigrados, atualmente a maioria em países que estão a crescer nesses desportos. Mas também há quem ocupe cargos de topo, como Nuno Merino nos Estados Unidos e Sérgio Santos no Brasil.
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Neste momento são poucos os treinadores emigrados em equipas de topo, sobretudo quando se analisam modalidades coletivas extra-futebol.
Mário Palma, o "cidadão do mundo" que ganhou cinco AfroBasket de basquetebol, com Angola e Tunísia, e três campeonatos africanos e um asiático de clubes, vive uma pausa aos 71 anos, tendo também terminado a aventura externa de Luís Magalhães, Alberto Babo e Norberto Alves no basquetebol, de Paulo Jorge Pereira no andebol ou de Nuno Resende no hóquei em patins.
Esses casos bem sucedidos ajudaram, no entanto, a abrir portas às mais de três dezenas que atualmente orientam equipas de andebol, basquetebol, hóquei em patins e voleibol por esse mundo fora, representando histórias de todos os tipos: uns escolhidos por concurso, outros por empresários e alguns por conhecimentos diretos; há os formados por universidades e os que se tornaram conhecidos como jogadores.
É curioso que atualmente os lugares de maior destaque surgem fora das modalidades coletivas, pois há Nuno Merino a orientar a seleção de trampolins dos EUA, Sérgio Santos o triatlo do Brasil, Fausto Ribeiro à frente dos poderosos velocistas do atletismo turco e Nuno Marques a dirigir uma das academias de Rafa Nadal, mas os treinadores portugueses ganharam sobretudo importância em países emergentes em algumas modalidades, em especial no hóquei em patins e, aqui mais inesperado, equipas femininas de voleibol e basquetebol.
A resiliência dos portugueses é outro fator a ter em conta, como o ilustra a história de Ricardo Vasconcelos: começou nos juvenis do Penedono, candidatou-se a um cargo na federação inglesa e hoje é selecionador de uma Grã-Bretanha que vai apostar no andebol introduzindo-o no desporto escolar.
Hóquei em patins
Colômbia nas mãos de André Torres
Em 2015, a Federação Colombiana de Patinagem, em busca de um selecionador, contactou a homóloga portuguesa, que sugeriu o nome de André Torres. Foi assim que o técnico de 44 anos, natural de Barcelos, saltou do HC Braga (acumulava equipa principal e formação) para a liderança da equipa nacional de um país a crescer na cena mundial. Tendo deixado de jogar aos 36 anos - passou por Famalicense, J. Viana, Barcelinhos, Barcelos, Riba d"Ave e HC Braga -, André Torres, padrasto de Hélder Nunes, craque do Barcelona, é treinador há oito anos, mais de metade dedicados ao hóquei colombiano. Além da seleção principal, treina femininos, sub-19 e sub-17. Habitualmente, viaja para a Colômbia quatro vezes por ano, passando quase um mês entre Bogotá, Medellín, Manizales e Cali. Aos fins de semana trabalha com as seleções e durante a semana orienta campus de observação. "É um milagre haver hóquei na Colômbia", afirma, referindo-se às dificuldades financeiras do país, à geografia que limita a logística e à difícil captação de jovens. Num meio "muito amador", em que "preparar o futuro é complicado", Torres já originou a mudança para a Europa de uma nova geração. Por cá jogam Andrés Castaño (Viana), David Castaño (Ac. Espinho), Thomas Molina (Famalicense), Mateo Molina (Limianos) e Caro Correa (CENAP). "Hoje, o jogador colombiano é mais cobiçado e respeitado", diz o homem que levou a Colômbia ao sexto lugar no Mundial"17 e ao oitavo em 2019.
Andebol
Rolando Freitas planeia jogo israelita
Rolando Freitas, diretor desportivo das seleções masculinas de Israel, nasceu no Porto, em 1965. "Joguei futebol no FC Porto, basquetebol no Académico do Porto e fui para o andebol com uns amigos da escola. Comecei no Lapa", conta a O JOGO. Como treinador, iniciou-se nos infantis do Salgueiros - "eram meus jogadores o Carlos Martingo e o Telmo Ferreira", recorda sobre os agora técnicos portistas. Esteve um ano nos juniores dos azuis e brancos, no Boavista como adjunto, foi diretor técnico da Associação de Andebol do Porto e treinou Macieira (três anos), Francisco de Holanda (quatro) e seleções nacionais jovens (sete anos) - foi segundo no Europeu de sub-20, em 2010 - até passar, em 2012, a selecionador nacional. Treinou ainda o Águas Santas, antes da reviravolta na sua carreira. "Tinha mais um ano de contrato com o Águas Santas, mas também dois convites, para uma seleção europeia e outro para Israel. Chamaram-me para uma entrevista pessoal e já cá estou na quarta época", conclui.
Rolando Freitas vive em Israel com a mulher e a filha mais nova e diz sentir a "falta dos pais, irmãos e da filha mais velha", explicando o que faz: "Tenho treinos (dos sub-18), porque decidi pegar numa equipa, faço mentoria com os treinadores das várias seleções, oriento os atletas que temos de seguir, organizo atividades de treino e sistema de jogo; em suma, tudo o que tem a ver com o planeamento".
Ténis
Nuno Marques na Nadal Academy
Nuno Marques, o primeiro tenista português a ingressar (abril de 1991) no top-100 do ranking ATP, não só faz parte das (poucas) lendas do nosso ténis como rapidamente se tornou uma referência enquanto treinador. Aos 51 anos, o esquerdino que encantava com o seu ténis ofensivo, é o atual coordenador-técnico da Rafa Nadal Academy no Kuwait, cargo que ocupa desde novembro de 2019 e que se seguiu aos aplicados quatro anos (2016 a 2019) na casa mãe da famosa academia, em Manacor (Maiorca).
"Pouco depois de ter chegado cá [Kuwait City] surgiu a pandemia e é procurando adaptar-nos que as coisas têm evoluído", avalia Nuno Marques, cumpridos que estão dois anos a trabalhar num "projeto abrangente", mas com a particularidade de "termos quase três centenas de miúdos sub-10". Algo a fazer lembrar os primórdios como "head coach", em 2003, no Clube (Ténis do Porto) onde se formara como atleta.
"Tem sido uma experiência incrível, diferente, e foi-nos entregue pela KTF [Federação de Ténis do Kuwait] a responsabilidade por toda a competição oficial no país", congratula-se o técnico, que foi selecionador nacional e capitão da Taça Davis, entre 2014 e 2018. Foi precisamente a meio desse mandato que viu surgir o convite para fazer parte da "família" Nadal e das suas academias.
Basquetebol
André Martins na peugada de Palma
Selecionador nacional de sub-20 na conquista do histórico Campeonato da Europa do escalão - Divisão B, em Matosinhos (2019), André Martins vai treinar o Étoile Sportive de Radès, da Tunísia, naquela que será a sua primeira aventura no estrangeiro. Terá Vasco Curado a adjunto e atribui ao sucesso de Mário Palma no país a razão do aparecimento da sua oportunidade. "Ele deixou uma marca no país, na seleção e no basquetebol tunisino, abrindo portas a outros treinadores. Sempre me disse que devia aproveitar. No ano passado já tivera uma abordagem para ir para outro clube da Tunísia, mas não se concretizou, também por causa da covid-19", conta a O JOGO, revelando que está "motivado e ansioso". "Vou agarrar a oportunidade com empenho, procurando que os treinadores portugueses comecem a ser mais referência a nível internacional e tenham outro reconhecimento", diz.
Tendo-se iniciado aos 19 anos como treinador, quando ainda jogava no Benfica, Martins orientou várias equipas das águias e conquistou títulos nacionais na formação, passando depois a adjunto de Mário Gomes. Após deixar a Luz, foi fazendo o seu percurso como técnico principal (Física, Queluz, Algés e Galitos), mas desde 2017/18 que não trabalhava em clubes. "O facto de ter estado na seleção de sub-20 manteve-me sempre na modalidade. No primeiro ano após deixar o Galitos até foi benéfico; já eram muitos anos seguidos como professor de Educação Física, treinador e selecionador. Neste último ano e meio já senti muita falta da competição, o gosto de treinar", relata. O êxito de Palma entusiasma-o, "mas atingir esse patamar não é para qualquer um", realça.