Luís Mendonça: "Foram dois anos brutais que me curaram, o mundo da noite ajudou-me"
Luís Mendonça falou sobre a vitória no Grande Prémio Douro Internacional, mas não só. Recordou um pouco do passado como estudante e até barman
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Afável, sempre de sorriso rasgado, a distribuir abraços tanto à partida como à chegada, a colegas e a adversários, e brincalhão até durante as etapas, assim é Luís Mendonça, o homem da Glassdrive que venceu o III Grande Prémio Douro Internacional.
E assim foi, juntando um discurso sem filtros, quando falou aos jornalistas, na escadaria do santuário da Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego. Começamos recuando a uma infância e juventude algo atribuladas. "Era estudioso e bom aluno. Aliás, muito bom aluno. Por alturas do 11.º ano, quis ser ciclista profissional, e queria tanto que passei por uma anorexia terrível. Queria ficar magro, queria estar bem, e isso descontrolou-me bastante. Passei por uma depressão, porque estava a ser excluído, e na escola já não rendia tanto, estava totalmente desequilibrado", conta.
"Durante o 11.º ano quis ser ciclista profissional e queria tanto que passei por uma anorexia"
"Entro na faculdade em Fisioterapia, vejo que não era o curso que queria, a minha ideia era Medicina, que falhei por décimas. Era chapada atrás de chapada que levava da vida", prossegue, com a simplicidade de quem pedala, acima e abaixo, pelas estradas do Douro. "Recupero-me aos poucos, entro no ginásio e começo a ganhar peso, porque, com 18 anos, pesava 49 kg. Passei a chamar à atenção de algumas pessoas para fazer desfiles de moda. Também me convidaram para trabalhar na noite quando fui a uma discoteca, acharam-me com perfil para estar atrás de um bar", continua, para, a seguir, explicar que a noite lhe trouxe muitos ensinamentos. "Entrei nesse mundo, que me tirou dos problemas de distúrbios alimentares. Na noite, senti libertação, felicidade, a autoestima a subir, foram dois anos brutais que me curaram; a noite ajudou-me muito, até perceber que, quatro dias por semana a trabalhar à noite, sempre a beber com os clientes para animar a festa e a sair de lá "tocado", já chegava".
No momento em que tem essa noção, casualmente, um ciclista dá uma ajuda a Mendonça. "Nesse ano, o Rui Costa foi campeão mundial, um atleta com quem estive na ASC", revela. "A seguir, fui para Espanha a ganhar zero, isto com 27 anos, na loucura total, mas comecei a fazer corridas boas e entrei neste mundo mais moderado", diz, assim chegando às bicicletas.
Arrependido de não ter tentado mais cedo
A essa chegada à modalidade desejada atrela-se um sentimento amargo. "Só me arrependo de não ter tentado o ciclismo mais cedo, porque poderia ter feito um voo mais alto. Vivi dois anos muito intensos na noite, e vivi de tudo nesse mundo. Hoje, estou 100% focado no ciclismo", assume. Mas, na vida de atleta nem tudo é bom, muito menos pessoas, que não são todas boas. "Houve gente que me apontou o dedo de forma violenta, diria mesmo ofensiva, foi duro, chorei muito sozinho, mas a minha resposta é estar aqui sentado de amarelo depois de vencer uma prova de enorme prestígio, como são todas as do JN e de O JOGO". Mendonça lembra, de resto, que "nunca é tarde" e diz que "é preciso querer os sonhos hoje, amanhã e depois". Até porque, assume, "é uma alegria dar aquela bofetada de luva branca".
Foi com uma frontalidade desarmante que o ciclista abordou os mais diversos aspetos da vida. Revelou ter sofrido de anorexia, ter trabalhado na noite e que às vezes bebia com os clientes e saia "tocado".
"Quero ser modesto, mas foi um pódio de luxo aqui no Douro"
"O Luís Gomes [Kelly-Simoldes] e o Joaquim Silva [Efapel] são dois nomes muito importantes do ciclismo nacional, aliás, e perdoem-me a frase, porque quero ser modesto, foi um pódio de luxo", avalia Luís Mendonça, num comentário à classificação final do III Grande Prémio Douro Internacional. "Ainda no pódio lhes estava a dizer "que equipa fazíamos os três!" Curiosamente, tinha apontado estes dois ciclistas como rivais diretos. Foram adversários duros, estão num patamar altíssimo", reconhece. "Recordo-me que a primeira etapa foi ao photo-finish com o Joaquim Silva. É uma honra ganhar ladeado por dois adversários fortíssimos." Sobre a Glassdrive, que vai em cinco vitórias em sete provas, Mendonça, 37 anos, natural de Paredes, afiança: "A chave é a união do grupo e o facto de não haver invejas ou líderes absolutos, isso já lá vai".
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