O Governo pretende colocar Portugal entre os 15 países mais ativos da União Europeia até 2030 - é último e terá de subir 12 posições -, mas não anunciou qualquer investimento ou apoio extraordinário em contexto de pandemia, ao contrário de todos os principais países. E apesar de meses seguidos de apelos...
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A carta aberta de Comité Olímpico de Portugal (COP), Comité Paralímpico (CPP) e Confederação do Desporto (CDP) para o primeiro-ministro António Costa, na última semana, a alertar para ausência de medidas de apoio ao Desporto, após meses de apelos, reuniões e audiências na Assembleia da República, com a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto e mesmo com o Presidente da República, sem resultados práticos, referia um cenário distante dos restantes países e das recomendações da União Europeia.
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O JOGO foi comparar números e eles não deixam dúvidas: já distante no que toca ao financiamento, Portugal vai ficar ainda mais longe ao não prever fundos para travar os efeitos da pandemia num setor que perdeu grande parte das receitas.
O exemplo mais recente surgiu no país vizinho. A presidente do Conselho Superior dos Desportos de Espanha, Irene Lozano, anunciou anteontem um orçamento de 251 milhões de euros para o setor em 2021, o maior valor desde os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992. "Se compararmos com o anterior ciclo olímpico, o aumento é de 85 milhões de euros", realçou a responsável do Desporto num país que era o 15.º com maior índice de atividade física da União Europeia em 2018 (54 por cento), precisamente o lugar que o governo português deseja atingir até 2030.
Essa meta significa subir 12 posições no Eurobarómetro, já que Portugal era último, em igualdade com Bulgária e Grécia, há dois anos (32 por cento), e implica um investimento que não tem existido. Em tempos de pandemia, é difícil imaginar como se atingirá esse objetivo ambicioso.
Além de ter sofrido um corte no Orçamento de Estado para 2021 (de 41 para 40 milhões), ter sido esquecido do Programa de Estabilidade Económica e Social e da versão inicial da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação de Portugal 2020-2030, "o desporto nacional permanece continuamente arredado de qualquer tipo de medidas específicas", lembraram os três organismos na carta, alertando que "as práticas desportivas têm vindo a ser parcial e deficitariamente retomadas num quadro de limitações severas". Não contestando as medidas extraordinárias em outras áreas, como a empresarial, para a qual já foram disponibilizados 20 mil milhões de euros desde o início da pandemia, o Desporto lamenta não ter sido alvo de preocupação.
Comité Olímpico, Paralímpico e Confederação acusam Governo de não seguir o exemplo da Europa nos financiamentos como resposta à pandemia. O JOGO foi conferir e as diferenças são avassaladoras
Lá fora o cenário é outro, oferecendo os principais países europeus apoio suplementar em vários momentos do ano. Foi o caso da Alemanha, que lançou, em julho, um fundo de emergência de 200 milhões de euros para equipas das primeiras e segundas divisões de andebol, basquetebol, hóquei no gelo e voleibol e da terceira divisão de futebol, para compensar as perdas com a ausência de público nas bancadas. Em França, só o Plano de Recuperação contempla uma fatia de 120 milhões em dois anos à Agência Nacional do Desporto, sendo 30 para clubes amadores e federações, 50 para equipamentos e 40 para emprego.
No Reino Unido, o Desporto valeu-se daquela que é a sua principal fonte de receita: os jogos sociais. Este sistema de financiamento é uma das reinvindicações do Movimento Associativo Desportivo português, mas a criação do Fundo Especial de Apoio ao Desporto tem ficado em stand-by. No exemplo britânico, é uma ajuda decisiva. Logo em março, foi lançado pelo governo e pelo fundo da Lotaria Nacional um pacote financeiro de quase 216 milhões de euros, aos quais se somaram mais 16,6 destinados ao Fundo de Emergência Comunitária para clubes, em maio, e 11,6 milhões do Fundo "Return To Play" em outubro. Todos estes dinheiros estão sob a alçada da Sport England, direcionada ao desporto de base, que o secretário de estado Oliver Dowden prometeu ser o primeiro a regressar depois do lockdown, esperando-se que os quase 100 milhões de euros incluídos no orçamento de estado britânico para impulsionar, a partir de abril de 2021, o desporto no ensino primário e as aulas de Educação Física ajudem a apagar os efeitos desta paragem.
Em Portugal, a Confederação de Treinadores de Portugal lembra que há, desde março, mais de 300 mil jovens impedidos de praticar desporto, com a Comissão de Atletas Olímpicos, criticando a "falta de diálogodiálogo profícuo e construtivo dos decisores políticos", a colocar a grande questão: que acontecerá aos "olímpicos de amanhã"?
OS CASOS DE OUTROS PAÍSES
Reino Unido - O segredo das lotarias
Do mais alto nível à base, não faltam verbas direcionadas à prática desportiva no Reino Unido, o nono mais ativo da Europa em 2018 (63% da população faz desporto, ainda longe dos 87% da líder Finlândia). O programa de preparação olímpica e paralímpica recebe cerca de 378 milhões de euros, estando previsto que deixe de ser pensado a quatro anos para passar a ciclos de 12; a luta contra a obesidade é uma prioridade, com quase 100 milhões a constar no orçamento de estado reservados ao desporto no ensino primário e as aulas de Educação Física, a partir de abril de 2021, num programa a três anos - 1800 escolas receberão, em média, 55 mil euros. Lançado numa fase inicial da pandemia, o Fundo de Emergência Comunitária foi um dos exemplos de ajuda aos clubes, que podiam receber de 332 a mais de 11 mil euros, mediante candidatura. Foram feitos mais de 11 mil pedidos, quase 7500 deles aceites, sendo distribuídos quase 30 milhões, entre março e julho. Esse fundo faz parte do grande pacote financeiro lançado pelo governo e pela Lotaria Nacional, de cerca de 244 milhões. Em outubro, houve uma linha de apoio de 110 milhões para a Sport and Recreation Alliance, um órgão dedicado ao desporto e recreação que conta 320 membros, entre eles a Federação Inglesa de Futebol (FA) e a Rugby Football Union.
Alemanha - Apoio direto aos clubes
Num país em que se estimava que cada clube estava a perder, em média, 12 mil euros mensais - e existem cerca de 90 mil -, a Alemanha criou um fundo de emergência de 200 milhões de euros para equipas das primeiras e segundas divisões de andebol, basquetebol, hóquei no gelo e voleibol e da terceira divisão de futebol, compensando as perdas com a ausência de público nas bancadas; e ainda a campanha "Apoia o teu Desporto", que envolveu alguns dos nomes famosos do desporto alemão e aceitou doações a partir dos 200 euros. O Comité Olímpico alemão recebeu um milhão de euros provenientes do jogo social "GlücksSpirale" (Espiral da Sorte), que tem 50 anos e já suportou o setor em 770 milhões de euros. Para 2021, o governo prevê gastar 293 milhões com o desporto (mais 48 do que em 2020), inserido no Ministério do Interior, mas o que salta à vista é a gigantesca política de reforma dos recintos que vai ser posta em marcha. O "Pacto de Investimento nas Instalações Desportivas", também chamado de "Plano mais dourado", em referência ao plano lançado em 1959 para aumentar o número de equipamentos na Alemanha Federal, prevê o investimento de 640 milhões de euros em infra-estruturas até 2024 (150 milhões do orçamento retificativo de 2020, 110 milhões anuais entre 2021 e 2023).
França - Quando 120 milhões é pouco
Além de beneficiar dos 120 milhões de euros a dois anos que estão contemplados no Plano de Recuperação - uma verba que tem gerado críticas, por se considerar uma fatia muito pequena dos 100 mil milhões de resposta à crise... -, a Agência Nacional do Desporto, refundada em 2019, tinha destinados 305 dos 802 milhões de euros de orçamento que a Assembleia Nacional aprovou para o desporto em 2021. Em relação ao ano anterior (710 milhões), tratou-se de um aumento de 20 por cento, mas ainda foi conseguido um extra de 10 milhões com a aprovação de uma emenda na "Taxa Buffet", relacionada com a transmissão de eventos desportivos e competições, uma importante fonte de receita, além dos jogos sociais. Criada em 2000, pela antiga ministra dos desportos Marie-George Buffet, a referida taxa tem como princípio o desporto financiar-se através dele próprio, retendo 5% dos direitos televisivos gerais, mas não podendo, até agora, passar a fasquia dos 40 milhões. Se o limite fosse ultrapassado, o sobrante era absorvido pelo orçamento global, o que foi alterado. Passam a ser 64 milhões de euros, que com a emenda sobem a 74 e permitem ajudar o desporto amador. Na contagem decrescente para os Jogos Olímpicos, a França destina 225 dos seus 812 milhões finais para as infraestruturas do Paris"2024.
Espanha - Um aumento de 95%!
Sexto país do mundo mais afetado pelo coronavírus, a Espanha surpreendeu com a apresentação de uma verba de 251 milhões de euros para o desporto em 2021 no Congresso dos Deputados, sendo a maior desde Barcelona"1992. Se se contabilizarem os 9,4 milhões que vão para a Agência de Proteção da Saúde no Desporto, trata-se de um aumento de 95 por cento face ao último ano olímpico (2016)! "Estamos perante números históricos, os mais altos deste século e que confirmam o compromisso do governo com o desporto espanhol", sublinhou Irene Lozano, presidente do Conselho Superior dos Desportos, garantindo que "nenhum desportista ficará sem a sua parte" e que todos "podem concentrar-se exclusivamente nos treinos e competições". As verbas vão para as federações desportivas (66,8 milhões), o plano de recuperação pós-covid-19 (49,5), os centros de alto rendimento (25,2 a repartir por Madrid, Sant Cugat, Leão e Sierra Nevada), o plano de digitalização (16,9), uma transição ecológica (13,4) e a dinamização do desporto feminino (11,7), que se pretende profissionalizado em 2021/22. Quanto aos Jogos de Tóquio, haverá 4,7 milhões para o Comité Olímpico de Espanha e 1,9 milhões para o Comité Paralímpico.