José Manuel Constantino: "Estes atletas são notícia quando ganham medalhas"
Na antevisão dos Jogos do Mediterrâneo, que hoje arrancam em Espanha com a maior delegação da história do Desporto português, o presidente do Comité Olímpico de Portugal deu uma entrevista a O JOGO que pode ler na íntegra
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José Manuel Constantino, de 68 anos e presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) desde 2013, vai ter amanhã a maior comitiva desportiva da história do país na abertura dos Jogos do Mediterrâneo, uma competição a que o COP se candidatava há mais de 20 anos. Entre os 233 atletas que vão a Tarragona não faltam estrelas olímpicas e Constantino explicou a O JOGO a importância da competição, a maior do ano depois do Mundial de futebol. Aqui tem a entrevista, na íntegra.
Portugal vai levar 233 atletas, duplicando todas as outras missões. Porquê apostar tão forte nos Jogos do Mediterrâneo?
Precisamos de demonstrar aos nossos parceiros que apostámos, de forma significativa, nesta presença. Demorou muitos anos, mais de duas décadas, até Portugal ser aceite pelo Comité Organizador destes Jogos e mal seria que agora déssemos um sinal de estar apenas por estar. Portanto, queremos dar indicações de que a nossa presença é importante no plano institucional e diplomático, mas também importante no plano desportivo. Por isso, vamos estar em todas as modalidades em que podemos estar. Fica de fora o boxe, por ter o estatuto de Utilidade Pública e Desportiva suspenso, o halterofilismo, que não tem federação, e o futebol, por ter um quadro competitivo que é adverso a uma participação nesta altura. Todas as restantes modalidades, as outras 28, estão representadas. Esse é um sinal da importância que damos a esta competição internacional e não vamos duplicar, mas sim triplicar os números das missões anteriores...
... Triplicar porquê?
A nossa escala nas competições olímpicas anda perto de 70 ou 80 atletas. Portanto, vamos triplicar. Com juízes, árbitros e treinadores a delegação terá perto de 400 pessoas. É algo que põe à prova também a nossa capacidade de organização.
Pediu às federações para convocarem atletas de topo?
Pedimos. Demos indicação de que não gostaríamos de participar apenas por participar. Compreendemos que para algumas modalidades esta altura do ano não é a melhor, do ponto de vista dos quadros competitivos internacionais, que estão muito saturados, como é o caso do voleibol. A seleção masculina está a disputar uma poule mundial e não pode estar ao seu mais elevado nível, mas estará a melhor equipa feminina e as melhores duplas do voleibol de praia. O nosso desafio é estar, do ponto de vista qualitativo, o mais forte possível. Pedimos um esforço para termos os nossos maiores atletas, dando aos outros países um sinal de que nos organizamos de forma séria.
Que pode Portugal ganhar com uma competição como esta?
Ganha desde logo no plano diplomático. O espaço dos países mediterrânicos não é hoje apenas o da bacia desse mar, sobretudo a partir do momento em que houve a desagregação da ex-Jugoslávia. Muitos países que fazem parte desta família não são banhados pelo Mediterrâneo, mas têm cultura e elementos da sua natureza. Esta presença reforça uma tendência da política externa nacional, a de relações de proximidade com os países que fazem parte deste quadro, logo isto não é apenas uma iniciativa de natureza desportiva. Há os países da zona do Magrebe com que Portugal procura ter relações de proximidade e asiáticos com quadros de guerra complicados... Isto reforça o posicionamento estratégico de Portugal relativamente a estes países. Do ponto de vista desportivo é uma competição média-alta. Não é um campeonato da Europa nem do Mundo, não são os Jogos Olímpicos, mas colocam-nos em competição com países que estão ao nosso nível e outros acima, como Espanha, França, Itália, Turquia e Grécia em algumas modalidades. Vai permitir aferir o nosso grau de competitividade no plano externo. É um desafio que se coloca ao desporto nacional, o que é importante. Por outro lado, vai permitir juntar modalidades que ou não fazem parte do programa dos Jogos Olímpicos ou têm muitas dificuldades em lá estar. Esta delegação junta todos os olímpicos a disciplinas como esqui naútico e petanca, o que é difícil encontrar no quadro de participação de eventos olímpicos. Haverá uma componente de solidariedade e proximidade entre aqueles que têm um peso em termos internacionais e outros que têm menos.
Sendo previsível que se ganhem várias medalhas, há também a intenção dar uma melhor imagem destes atletas em relação ao que acontece em Jogos Olímpicos ou de aumentar a autoestima de alguns deles?
Não há melhor do que ganhar competições, pódios e medalhas. Naturalmente que esta é também uma oportunidade de valorizar - num quadro competitivo médio-alto - a nossa dimensão no plano internacional. Isso é importante para os nossos atletas e treinadores no plano mediático, porque sabemos que só assim são notícia: com medalhas.
Não teme uma desvalorização destes Jogos?
Não. Nós não temos histórico, enquanto para países como Itália, França, Espanha - o Rei vai estar na Cerimónia de Abertura, o que reflete a importância - eles realizam-se desde 1951. E têm uma antiguidade superior aos Jogos da Commonwealth ou aos Jogos Francófonos, nós é que estivemos sempre de fora e não demos importância. Estivemos duas décadas a tentar ser aceites e fizemo-lo pela perspetiva de que iria valorizar a nossa representação desportiva internacional. Ocorreu o mesmo nos Jogos Europeus. Não havia histórico, mas foram importantes e deram uma enorme visibilidade aos atletas, deram a tal autoestima.
Estes Jogos estão ao mesmo nível?
Tenho alguma dificuldade em responder, porque não sei qual o nível a que os outros países se vão apresentar. Sei que a Espanha estará muito forte, mas preferiria ter alguma prudência na avaliação.
Atendendo apenas ao valor dos nossos atletas, Portugal poderá ser candidato a 20 medalhas. Parece excessivo?
Um colega seu perguntou-me se achava possível estarmos presentes em 10 finais. Não estava preparado para a pergunta e disse que esperava estar em mais. Nunca quantifiquei isso...
... Mas 20 medalhas valeriam um lugar a rondar o top-10
Tinha ideia que ficava mais acima, quinto e sexto.
Imaginando que teremos cerca de 20 medalhas. A nossa realidade será essa ou a da medalha única nos Jogos Olímpicos?
Acredito que temos um valor superior ao dos Jogos do Rio'16. O que aconteceu já foi analisado e acho que o valor já antes expresso pelos nossos atletas é superior; ninguém me convence, por exemplo, que o Fernando Pimenta não tinha valor para trazer uma medalha; ou que o futebol, se tivesse outra representação, não pudesse ir também ao pódio. O desporto nacional tem valor suficiente para um número de pódios superior ao que tradicionalmente tem obtido nos Jogos. Esta é a minha convicção profunda, não é para ser politicamente correto nem agradável. Agora, isso obriga a que exista um conjunto de circunstâncias alinhadas para que, naquele momento, quem nos representa possa potenciar todo o valor que transporta. E isso nem sempre tem sido possível. A minha expectativa é que um dia as estrelas possam estar todas alinhadas e os nossos atletas exprimam, naquele momento, o seu valor. Isto não é uma ciência exata.
Experiências como esta, em Tarragona, podem contribuir para esses melhores resultados olímpicos?
Tudo o que possa apurar a qualidade dos nossos atletas nos confrontos internacionais é bom. Esta competição não é só um tubo de ensaio para os nossos atletas, também é para o Comité Olímpico, para percebermos o que na nossa organização pode ser modificado para que, nos momentos da verdade, os nossos atletas tenham apenas de demonstrar o seu valor e não sejam condicionados por fatores alheios.
Nos Jogos Europeus de 2019, em Minsk, vão fazer uma aposta semelhante?
Encaramos todas as participações internacionais com elevado grau de seriedade e de rigor. Esperamos, naturalmente, que também os Jogos Europeus, e sendo um ano antes de Tóquio, sejam encarados com seriedade e profundidade.
É simples convencer as federações a apostar nestas provas?
Temos conversações normais, no plano institucional através dos presidentes, nos planos técnicos através do nosso diretor desportivo e dos diretores técnicos das diferentes federações. Nuns casos com mais facilidade e outros com menos facilidade, depende do grau de organização das federações. Não é uma relação linear, é uma relação o mais cordial possível, mas também, ao mesmo tempo, o mais profícua. Queremos ser um fator facilitador e de desenvolvimento atletas.
É o COP que define a meta?
Exatamente. Nós definimos objetivos e depois procuramos afinar esses objetivos com a sensibilidade das federações, não nos colocamos num plano superior mas sim num plano de paridade.
Analisemos o exemplo da canoagem: pediram à federação para estar forte em Tarragona, mas reconhecendo que a sua maior aposta será no Mundial que se realizará em Portugal?
Claro! Esse é um exemplo em que o nosso grau de delegação é muito alto, porque sentimos essa federação como um exemplo, tendo um elevado grau de rigor e de profundidade nas avaliações que faz. A prestação dos atletas nos Jogos Olímpicos é um elemento cimeiro na avaliação para a federação. É muito fácil chegar a acordo com eles relativamente à definição de objetivos.
Estes são os Jogos com a maior delegação, mas também são dos mais baratos. É verdade?
São relativamente baratos. Os Jogos do Mediterrâneo custam 600 mil euros; nos Jogos do Rio'16, só a missão custou 1,3 milhões. É mais perto, as viagens são acessíveis, o grau de permanência da missão é curto, porque os atletas só chegam dois dias antes da competição e partem um dia após ter terminado. A rotação constante entre os atletas desonera de forma significativa os custos da operação. Cada pessoa custará em média 1500 euros, não mais do que isso.
Este ano haverá Europeus conjuntos de várias modalidades em Glasgow e Berlim. Sendo uma concorrência direta aos Jogos Europeus, vai-se ganhar ou perder com isso?
O problema é que os critérios que presidem a esse tipo de organizações tendem a ser cada vez menos desportivos e cada vez mais comerciais. Algumas federações, que tinham o seu produto desportivo para comercializar, sobretudo através dos direitos televisivos, e com isso alguma concorrência. Portanto, dizem "se este é um produto nosso, não o vêm buscar para outra organização". É, da parte de algumas federações, um desafio à autoridade dos comités olímpicos europeus e à organização dos Jogos Europeus. Este é um quadro de alguma preocupação relativamente ao futuro, porque se as principais modalidades não estiverem presentes nos Jogos Europeus, ou se levarem uma segunda linha, desvalorizam-nos. Já houve dificuldade em encontrar uma sede para a segunda edição dos Europeus, que estiveram previstos para Holanda e vão para Minsk. São um empreendimento muito caro. A conjugação destes dois fatores e, por outro lado, um quadro internacional que está saturadíssimo de competições deixam alguma preocupação quanto ao futuro dos Jogos Europeus.
Não é possível um acordo?
Tem de existir. Não vale a pena andarmos num braço de ferro. Das duas uma, ou faz sentido ter os Jogos Europeus e, fazendo sentido, o mais natural é que sejam sob a égide dos comités olímpicos europeus, ou existe uma divisão de dividendos. No fundo, essas federações internacionais estão a olhar ao dinheiro.