José Azevedo sempre lutou por um ciclismo limpo, mas foi um dos principais colegas de Lance Armstrong. “Nunca fui assediado, não sei o que se passava na casa dos outros”, garantiu
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“O passaporte biológico está a resolver os problemas, mas pecou por tardio. Surgiu em 2008, quando o ciclismo internacional passava momentos complicados - fim de Rabobank, Liberty ou T-Mobile, todos grandes projetos - e cá só chegou em 2023. Por vezes crio atritos por ter este discurso...”, diz José Azevedo a O JOGO. As suas posições sobre um ciclismo limpo são conhecidas, mas, curiosamente, não renega o seu passado.
É provavelmente o diretor-desportivo português que mais luta por um ciclismo limpo, mas também foi o colega da equipa de Lance Armstrong. Não lhe apontam isso?
-Não sei. Mas não me preocupa. Tenho orgulho no meu percurso como ciclista. Tenho orgulho de ter corrido na ONCE, liderada por Manolo Sainz, que também teve problemas. E de ter corrido na US Postal e Discovery, de ser companheiro de equipa do Armstrong, de ter o Johan Bruyneel como diretor desportivo. São pessoas com quem aprendi muito de ciclismo. A nível da organização estrutural, programação, planificação, comportamento com os corredores, até na parte psicológica.
Mas agora diz-se muito mal dessas equipas...
-É lógico que o digam, até o Armstrong esteve envolvido num grande problema de doping. O projeto tinha esse lado, não era só o Armstrong. Mas se hoje sei que o Armstrong consumiu substâncias proibidas foi porque ele o disse. Porque nunca vi. Nunca fui assediado dentro da equipa para usar produtos dopantes. Foi algo que me passou completamente ao lado. Tinha a minha missão na equipa, o meu calendário, as minhas responsabilidades, ia para as provas e sabia qual era o meu lugar e o que exigiam de mim, ajudar o Armstrong a ganhar. Só me preocupei com isso.
Nunca lhe perguntaram sobre o caso Armstrong?
-Já outro jornal me perguntou, quando o processo decorria, e quando ele confessou voltou a ligar. Repito o que disse: nunca vi, nunca fui assediado. Fiz o meu trabalho, tenho orgulho do que fiz na carreira. O aconteceu, aconteceu a ele. Os corredores estão em sua casa, é aí que treinam. Não sei o que se passa na casa dos outros. Posso falar por mim. E não vou dizer mal dele, porque como pessoa, como colega de equipa, para mim foi do melhor que existe. Nunca se comportou como vedeta, nunca teve uma falta de respeito connosco, sempre valorizou o nosso trabalho. E nós não estávamos ali por obrigação, éramos pagos para trabalhar para ele. E ele tinha sempre uma palavra de agradecimento.
No exterior não existia essa imagem...
-Quando estávamos no hotel, autocarro, ou em estágios, éramos todos iguais. Quando ele saía do autocarro passava uma imagem de distância, se calhar para se proteger.
O melhor lado dele ficou esquecido ao confessar?
-Claro. Agora é visto como a maior fraude do desporto. Cada um é livre de julgar. Tenho muito respeito, consideração e admiração por ele. Apesar dos erros que cometeu, não podemos esquecer que, como atleta, tinha muito potencial. Se ganhasse só por tomar produtos, então não valia a pena treinar, qualquer um podia ser campeão.
“Tour era preparado nove meses antes e nem a chuva o parava”
“Quem conviveu com ele, e tive esse prazer, começava a preparar o Tour nove meses antes. Era um grupo de 12 corredores, que ia reduzindo até aos nove finais. Quando começava a treinar, em novembro, era já com o plano para o Tour”, conta Azevedo, revelando o que admirava em Armstrong: “Lembro-me de uma vez, na zona da Califórnia, estar a chover. Era um estágio de 15 dias e sabíamos que no seguinte estaria sol. Ele já tinha ganho seis vezes o Tour e fomos todos treinar na mesma. Essa dedicação e esforço eram exemplos a fixar”.