"Pode ganhar uma Grande Volta", assume o diretor-desportivo da UAE Emirates sobre o prodígio que lidera a nova geração nacional. Pela primeira vez, até os espanhóis parecem perto<br/>
Corpo do artigo
Joxean Matxin, diretor- desportivo que venceu as duas últimas Voltas a França com Tadej Pogacar e que contratou João Almeida para a UAE Emirates até 2026, depois de o ter "descoberto" ainda em 2016, admite que têm surgido corredores portugueses em quantidade e qualidade superior ao habitual de décadas anteriores.
"São ciclos, há anos assim", diz a O JOGO, sabendo que em Espanha, e embora Juan Ayuso e Carlos Rodriguez prometam muito, Enric Mas ainda não matou as saudades de um ganhador de Grandes Voltas desde que Alberto Contador terminou a carreira.
Portugal nunca teve um - Joaquim Agostinho foi terceiro no Tour -, mas pode já o ter descoberto. "Estou convencido que pode um dia ganhar uma Grande Volta. Por isso o quisemos", diz Matxin.
Almeida, que despertou as atenções de muitos portugueses para o ciclismo com as suas exibições no Giro e as conquistas das Voltas à Polónia e ao Luxemburgo, é nome incontornável, mas não o único. Entre os 30 portugueses mais pontuados no ranking mundial há sete em idade sub-23 - o caldense, sétimo mundial aos 23 anos, destaca-se claramente, tendo apenas à sua frente um corredor da mesma idade, o líder mundial, Tadej Pogacar -, o que significa que mais de um quarto é muito jovem; e nesse lote há também 16 ciclistas com menos de 28 anos, aquela que durante muito tempo foi considerada a idade do auge de um ciclista.
Também entusiasmente tem sido a evolução de António Morgado e Gonçalo Tavares, dois juniores de 17 anos, por coincidência o número de triunfos desta época do primeiro, um conterrâneo de Almeida. "Há muitos portugueses jovens de qualidade, como Morgado e Tavares, mas também outros já sub-23 e até profissionais. Há muito talento a surgir em Portugal. Nós estamos atentos", garante Joxean Matxin.
"Têm surgido regularmente bons corredores portugueses, cada um dentro das suas caraterísticas. Um para Grandes Voltas - e outras corridas por etapas - estava a faltar. Temos o Rui Costa, que ganhou várias corridas de uma semana e três vezes a Volta a Suíça, mas liderar uma Grande Volta não acontecia desde o Acácio da Silva e esse nunca foi um ciclista para a geral, ao contrário do João, que fez agora 23 anos. Portanto, ao ter feito duas vezes o Giro dentro dos 10 primeiros aos 22 anos, e um deles com as condicionantes que sabemos, geradas pela equipa, prova ser um corredor que pode vir a dar muitas alegrias", destaca José Poeira, selecionador nacional.
Almeida, que já superou o melhor resultado de sempre de um português no Giro - foi quarto em 2020, José Azevedo tinha sido quinto em 2001 -, ainda não se estreou na Volta a França, onde Joaquim Agostinho foi terceiro e Azevedo quinto.
"Ficaria super contente se ele conseguisse melhor do que eu no Tour. Mas ter uma meta é colocar pressão. Nunca gosto de o fazer, até porque um atleta nunca depende só dele, mas também do que pretende a equipa. O João tem dois anos como profissional e nota-se que tem evoluído. Esta época confirmou o quarto lugar que tinha feito no Giro e ganhou na Polónia e no Luxemburgo; está a construir um currículo com vitórias. Como tem margem de progressão, isso permite pensar que os seus resultados vão melhorar, mas é errado dizer que pode ganhar o Tour ou o Giro", afirma José Azevedo, agora com 48 anos e diretor-desportivo da nova Efapel, depois de ter sido o primeiro português a dirigir uma equipa no World Tour.
Poeira, que por via das seleções nacionais tem dado maior visibilidade aos jovens que vão para equipas internacionais , também se recusa a ver em Almeida um novo Joaquim Agostinho.
"Não vamos compará-lo com ninguém. Há muitas diferenças para esse ciclismo mais antigo. O facto é este: o João é jovem, tem grandes capacidades, ainda se está a descobrir, mas vai dando sinais ótimos ao fazer tanto em tão pouco tempo", diz, tendo percebido nos recentes Europeu e Mundial alguns pontos em que o prodígio tem ainda de evoluir: "As corridas de um dia são muito específicas. É preciso saber qual o momento certo para estar na decisão, que se aprende com o tempo. É uma leitura que é preciso fazer. As restantes qualidade ele tem".
O número crescente de jovens com qualidade tem, para o selecionador nacional, uma explicação: "Todos os anos aparecem corredores com futuro. Nunca muitos, mas sempre alguns. O mérito é de quem trabalha no ciclismo de base. Gente que faz um trabalho extraordinário, sacrifica a família para trabalhar com os corredores, seja nas escolas ou depois nos cadetes e juniores. São eles a nossa fonte, a Seleção Nacional só vai depois analisar quais os jovens com mais talento, para os levar a dar o passo seguinte. São essas pessoas, raramente reconhecidas, que fazem com que apareçam grandes atletas".
"Foi contratado para ser um líder"
"De Almeida esperamos que seja um líder. Foi contratado para isso; será uma alternativa ao Tadej. Vamos ter um calendário para ele, que será uma aposta", diz Joxean Matxin a O JOGO, tendo já uma ideia do que espera do português, que ainda não deverá acompanhar Tadej Pogacar na Volta a França. Em 2022, deverá correr pela terceira vez a Volta a Itália.
"Em princípio será o Giro, que foi isso o acordado inicialmente. Mas o calendário ainda irá ser definido. Não sabemos se irá ajudar o Tadej no Tour. Ainda será conversado, mas deve ser cedo", revelou o diretor-desportivo da UAE Emirates, entre muitos elogios a Rui Costa e aos gémeos Oliveira.
"Têm de se adaptar a outro ritmo"
As novas estrelas do ciclismo emigram ainda antes de fazerem uma Volta a Portugal. José Poeira descobre vantagens na opção, José Azevedo espera ter uma equipa nacional que os segure e lhes dê experiência lá fora
Orlando Rodrigues, José Azevedo, Sérgio Paulinho e Tiago Machado destacaram-se em equipas profissionais nacionais e correram a Volta a Portugal antes de terem carreiras bem sucedidas no pelotão internacional. Desde 2009, com Rui Costa, tornou-se habitual o "salto" ainda em idade de formação.
"Há dois fatores que se alteraram desde os meus anos. O nosso ciclismo perdeu visibilidade a nível internacional. Tínhamos grandes equipas a correr em Portugal, como Banesto, Kelme, Mapei ou Saeco, e esse contacto permitia-lhes conhecer a qualidade que existia por cá. Por outro lado, as equipas portuguesas deixaram de sair tanto como nesses anos. Não havendo a mesma exposição, os ciclistas procuram sair logo para equipas de sub-23 onde tenham visibilidade e chamem a atenção das do World Tour", explica José Azevedo, diretor-desportivo que, ao regressar, espera ajudar a resolver um problema para as formações portuguesas. "Queremos fazer provas internacionais. A intenção é ter uma equipa em que os nossos jovens possam mostrar o seu valor lá fora, sem necessidade de emigrar tão cedo", diz sobre a nova Efapel.
José Poeira descobre vantagens na saída em idade de formação, com uma ressalva: "Convém saírem cedo, mas para as equipas certas. A Axeon tem sido um parceiro nosso, com tantos portugueses todos os anos. Sem pressão e de forma descontraída descobrem as corridas europeias e americanas e adaptam-se ao ritmo diferente. Porque uma grande diferença está aí. O recente Mundial, em que se fizeram 260 km a uma média de 45 km/h, provou ser necessária a técnica e o ritmo das grandes corridas".
Os mais recentes talentos parecem até demasiado precoces e o selecionador agradece ter mais tempo para trabalhar com eles. "É um fenómeno curioso, há qualidade superior nos juniores de primeiro ano", diz. António Morgado e Gonçalo Tavares têm 17 anos e "muito talento e capacidade". "Vamos ter mais um ano para trabalhar com eles em juniores e esperamos poder dar-lhes experiência internacional", completa Poeira.