Quarto lugar no Tour foi visto por todos os corredores nacionais, que sentiram orgulho pelo feito. Ciclistas portugueses esperam ainda mais de Almeida, não esquecem Rui Costa e Nelson Oliveira, mas lembram que os êxitos dos emigrantes pouco alteram no pelotão nacional.
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“Consegui ver algumas coisas da Volta a França, e gostei. Gostei bastante do João Almeida, tem tudo para um dia ainda fazer melhor do que já conseguiu. Para nós, tem significado, porque ele é quem nos representa lá fora e ficamos todos orgulhosos por o ver em quarto na Volta a França. Esperemos que na Volta a Espanha ainda faça melhor”, disse Rafael Reis a O JOGO, três horas antes de vencer o prólogo de Águeda. Os corredores nacionais, apesar dos estágios do último mês, conseguiram todos algum tempo para se entusiasmarem com o Tour.
“Fui vendo, não todas as etapas, mas a maioria. É ótimo ver o João, o Rui Costa e o Nelson Oliveira nessas grandes competições. É preciso ter grande valor para lá estar e comprovaram-no os três, mesmo tendo trabalhos diferentes. O João estava mais perto do Pogacar e isso deu-lhe a oportunidade de fazer um bom lugar na geral. Dou valor a todos”, anota Joaquim Silva, da Efapel, em outro sinal comum: para os corredores nacionais, todo o trio que esteve em França foi importante. “O Almeida entusiasmou, sem dúvida”, diz António Carvalho, da ABTF-Feirense, sublinhando que não esquece “o dia em que o Rui Costa foi campeão do mundo”. “Marcou o nosso ciclismo e ficará para sempre. Nesse dia saltei tanto que quase parti um computador... Ainda hoje fico arrepiado. Mas tivemos também o Nelson Oliveira, com grandes prestações em Mundiais e no Tour, e agora o João Almeida, que chega ao Tour como um trabalhador para o Pogacar e acaba em quarto. Temos de ficar orgulhosos. Demonstra que o nosso ciclismo está aí para as curvas”.
Apesar do entusiasmo, os feitos de Almeida têm pouco significado para o pelotão nacional. “Não muda muito. Claramente é uma motivação para nós, ficamos contentes por o ver, mas o Rui Costa já foi campeão do mundo e não notei nada de diferente”, diz Rafael Reis. “As nossas equipas, com poucas saídas, tornam mais difícil dar nas vistas. Há muitos miúdos que, ao passarem cá a profissionais, perdem essa oportunidade”, anota Joaquim Silva.
Para António Carvalho há, no entanto, uma esperança: “Pode gerar mais investimento publicitário. As empresas estão a criar mais condições para os ciclistas, a modalidade está muito evoluída. Prova desse interesse, e exibições como a do João ajudam, é que já sou distribuidor da Amacx em Portugal, a empresa de nutrição patrocinadora da equipa do Rui Costa, a EF, e da Visma. Já estou a preparar o final da carreira, embora isso ainda não seja este ano...”.
O sonho de lhe seguir os passos
Diogo Barbosa tem 24 anos e já esteve na norte-americana Hagens Axeon, a equipa que lançou a estrela atual. “Procurei ver o Tour, até porque tenho o João Almeida como uma referência. Tenho um carinho especial por ele, está a dar grandes passos e já se encontra entre os melhores do mundo. É um orgulho vê-lo”, diz o jovem filho do famoso Cândido, que agora está na AP Hotels-Tavira, mas se inspira com o que vê. “É bom ter um português ao mais alto nível. Prova que somos capazes, dá motivação para tentar seguir-lhe as pisadas. Claro que procuro emigrar de novo. Estou a trabalhar para isso, o meu sonho é seguir os passos dele, do Rui Costa, do Nelson Oliveira ou dos gémeos”, completa Diogo.
Hugo Aznar tem 20 anos, fez o 44.º tempo no prólogo, mas isso foi o suficiente para lhe dar a liderança de uma juventude em que possui apenas dez rivais. “Não saiu o que esperava. Tentarei ajudar a equipa”, disse, pensando pouco na camisola branca, pois a ideia da equipa espanhola Kern Pharma é outra. “Vamos ajudar o José Félix Parra, que está forte e vem para a geral”, avisou.
As equipas portuguesas apostam cada vez mais nas redes sociais, criam grupos de adeptos, mas nas produções em vídeo surgiram em grande a Efapel e, sobretudo, a Tavfer-Ovos Matinados. Tentando replicar os episódios da Netflix, com imagens internas, a equipa de Mortágua começou a publicar verdadeiros filmes diários com os seus corredores.
A norte-americana Project Echelon foi uma das surpresas do prólogo, ao colocar Tyler Stites no terceiro posto e Hugo Scala no 11.º. Mas as ambições dos estreantes não passam pela geral. “Estamos a olhar para as etapas disputadas ao sprint, trouxemos dois sprinters. Queremos vitórias em etapas e o contrarrelógio final é também um objetivo”, explicou Stites.
Calor, restaurante e um ministro
Volta apresentou-se com mais aparato, mas para Pedro Duarte o importante é a sua “alma”
“A Volta a Portugal tem um valor que vai além do desporto, faz parte da alma portuguesa”, disse em Águeda o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, que cumpriu o prólogo num carro da organização e foi um dos que se entusiasmaram com o arranque da maior corrida nacional, apesar dos 32 graus que se faziam sentir na hora das primeiras pedaladas.
O “aperitivo” da corrida teve muita gente na estrada, embora ainda longe das multidões habituais, e mostrou também uma caravana mais cuidada. Todas as equipas investiram em autocarros e camiões, há várias com produções próprias em vídeo, mas o maior aparato ficava para o patrocinador da formação mais forte, a Sabgal: reforçando o investimento no ciclismo, a empresa do ramo alimentar apresentou-se com um enorme camião-palco, onde serviu refeições a toda a caravana e vários convidados.
O prólogo “abriu o apetite”, segundo as palavras do ministro, que só refreou o entusiasmo na hora de dar um palpite: “Que ganhe o melhor. E numa corrida com tanta dureza, o primeiro será sem dúvida o melhor”.