Gustavo Veloso a O JOGO: as vitórias, o agradecimento e a "carroça" nas Penhas
ENTREVISTA - Aos 40 anos, o vencedor das Voltas"2014 e 2015 agradece à W52 pela confiança e ao país por imortalizá-lo. Significativo para quem ganhou uma etapa da Vuelta ou uma Volta à Catalunha.
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Ganhou a Volta a Portugal de 2014 e 2015. Diz que não perdeu, mas que venceu com outros colegas as de 2013, 2016 e 2019, nas quais figurou no pódio. Em ano de despedida - que pode ser reconsiderada se a época for demasiado curta -, Gustavo Veloso agradece à W52-FC Porto e a Portugal numa conversa de carreira com O JOGO.
O Boavista contratou-o em 2001, sem ter corrido noutras equipas profissionais.
-Ganhei corridas de etapas em juniores e sub-23 em Espanha e fui ao Mundial. Isso abriu-me as portas em Portugal. Nem hesitei. Posso dizer que aprendi o ofício no Boavista. Aprendi que tinha de ajudar outro a ganhar, por exemplo. Fui crescendo na equipa, já fazia top 10 nos contrarrelógios. Na Volta que ganhou o Nuno Ribeiro pela LA, em 2003, pensei, porém, se algum dia conseguiria subir com os melhores e até tinha ganho a Clássica da Primavera esse ano.
E em 2006, pela Kaiku, voltou a Portugal, ganhou em Felgueiras e vestiu de amarelo pela primeira vez.
-Já conhecia a corrida. Vinha com três quilos a mais e não podia discutir a geral. Ganhei numa fuga, mas depois não consegui manter a liderança no dia seguinte. Fiquei sem motor na Senhora da Graça.
Ganhou a Volta à Catalunha e uma etapa na Vuelta. Porquê voltar a Portugal em 2013?
-A Xacobeo acabou à última hora em 2010. Fiquei um ano sem competir. Entrei na Andalucia em 2012, mas custou-me a arrancar e também não houve patrocínios. O Alejandro Marque lembrou-se de mim e sugeriu-me à OFM. Disse que queria desfrutar e discutir a Volta a Portugal. Aceitaram e voltei a ser aquele ciclista.
Em 2013 perdeu a Volta por quatro segundos para um colega, Marque, mas dominou as edições de 2014 e 2015...
-Sabia que em 2014 era o ciclista mais forte da minha equipa. Fiquei com a amarela logo na terceira etapa: fui regular. O Rui Sousa ia sozinho na Torre com o Delio Fernández [colega de equipa], que depois ficou para me ajudar. Teria sido o Delio a ficar com a amarela se não esperasse. O Rui ganhou 38 segundos e continuámos confortáveis ao partir de amarelo no contrarrelógio. Em 2015 faço segundo no prólogo em Viseu e fico com a amarela no Larouco, logo na segunda etapa. Essa corrida foi mais controlada. Nunca estive em pânico e fiz a Torre de tal forma bem que fui segundo, atrás do Delio, que infelizmente viria a perder o pódio por avaria no crono final.
Venceu duas Voltas a Portugal, mas provavelmente a vitória numa etapa da Vuelta em 2009 e a geral da Catalunha serão mais marcantes?...
-A vitória na Vuelta deu-me a conhecer fora de Espanha. Ganhar numa fuga é ser o melhor do dia. A Catalunha mostrou-me as minhas capacidades, que podia conseguir grandes voos. É difícil ganhar uma corrida de uma semana e fui o primeiro que não do World Tour a conquistar uma prova de uma semana nesse escalão. A partir daí comecei a ficar para as últimas montanhas e não a trabalhar só para o líder.
Como quer ser recordado em Portugal?
- A nível desportivo, Portugal é a minha casa - devo quem sou a Portugal. Deram-me oportunidade para ganhar depois no estrangeiro. Uns podem pensar que sou trepador ou contrarrelogista, mas isso é um segundo plano. Quero ser lembrado como uma boa pessoa, profissional, coerente e educado para colegas e rivais.
"Quintanilha pode bem estar noutras equipas no futuro"
"Na nossa equipa, não há melhores amigos. O ambiente é muito bom entre todos. Destacaria o Samuel Caldeira, porque é o único que está desde 2013 no projeto", assim elogia Veloso a estrutura criada em Sobrado e que ganhou dimensão de azul e branco. "Correr pelo FC Porto deu responsabilidade, por termos tantos adeptos", diz, lembrando um homem vital: "Foram boas as vindas de FC Porto e Sporting. Entrou dinheiro, mas a figura mais importante é o Adriano Quintanilha, quando entrou com a W52, em 2015. Faz parte do ciclismo, a modalidade deve-lhe muito e pode bem estar noutras equipas no futuro."
"Vinhas ganhou a Volta"2016... e eu também"
Tem duas Voltas a Portugal no bolso, mas poderia ter quatro. Mas Gustavo Veloso nunca pensa muito nisso.
Perdeu, por quatro segundos, a Volta de 2013 para o seu colega Alex Marque. Doeu?
-Foi a menor diferença de sempre. Foi uma Volta bonita e reencontrei-me. Éramos dois líderes assumidos. Ele era melhor no contrarrelógio e não queríamos tirar as possibilidades um do outro. Na Torre, só arranquei a 500 metros da meta para levar a etapa e para ele não descolar antes. Senti que era um osso duro de roer, treino com ele, e acabou por me tirar 36 segundos dos 32 que tinha. Podia ter ganho essa Volta se atacasse na Torre, mas perderia o respeito. O importante era o meu colega e a equipa.
Em 2016 poderia ter feito o tri, mas foi Rui Vinhas a ganhar. Sente que perdeu uma chance de ouro?
-Não perdi. O Vinhas ganhou... e eu também, porque estava na equipa vencedora. Desgastámos a Efapel e disse ao Rui para seguir algum ataque. A Efapel não teve força para encurtar o espaço e ele ganhou muito tempo. Na Senhora da Graça, marquei os ataques do Jóni Brandão e era a etapa pós-fuga. Ficámos todos com ele e protegemo-lo. Na Torre, fiz o mesmo, só arranquei para a etapa. Dediquei-me a ganhar etapas, porque a Volta era difícil. Tendo a amarela, ele não perderia tanto tempo no contrarrelógio. Reitero: prefiro perder como um homem a ganhar como um filho da puta. Ele era meu colega.
Mas, em 2017, o Alarcón atacou-o na Torre. Custou?
-Começaram os ataques e foi como foi. Não me alimentei e quebrei. Os demais estavam mais fortes. Não havia nada a fazer. Ninguém gosta de ver um bivencedor ficar assim. A equipa não me tirou o tapete em 2018 por ter tido esse mau dia, apesar de o Alarcón ser o líder para a Imprensa: tínhamos liberdade e não podíamos queimar chances um ao outro. Apanhei uma "carroça" nas Penhas, mas depois protegi-o no vento e puxei durante toda a etapa de Boticas. Mostrei que tinha pernas.
"Sabia que iria à Volta a Portugal"
Nuno Ribeiro deixou Rui Vinhas e Gustavo Veloso fora dos pré-inscritos para a Volta"2019. Depois, o galego rendeu o lesionadoRaúl Alarcón.
Foi estratégia o diretor desportivo não o incluir nos pré-inscritos?
-Qualquer pessoa que me visse no prólogo que ganhei em Torres Vedras, onde andei de amarelo, perceberia que estava em forma. O Alarcón tinha lesões importantes e não liguei à pré-inscrição, porque tínhamos seis ganhadores da Volta no plantel. Escolher oito é sempre difícil, mas, com ou sem o Alarcón, sabia que iria à Volta a Portugal. Sou importante para a equipa.
Sem a queda na sexta etapa, podia ter vencido?
-Caí e salvei a amarela, mas na etapa seguinte, no Larouco, disse ao João Rodrigues, logo ao quilómetro 30, que não sabia como ia chegar lá acima. É a subida que se adapta melhor às minhas características e perdi 40 segundos. O João terminou a Volta mais forte. Não sei se a venceria, mas não perderia 40s ali. A estratégia da equipa foi diferente depois.