Futebol americano em ascensão: touchdown à portuguesa
O futebol americano conta com algumas centenas de atletas e está a começar a desenvolver-se em Portugal. Desde 2005 que os protagonistas da modalidade têm alimentado o sonho de catapultar este desporto para a ribalta e dar a conhecer a modalidade que cativa tantos adeptos no continente americano.
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Final de tarde, depois de um dia de trabalho. Num campo partilhado, nos arredores de Lisboa, ecoam os gritos de esforço e garra de um treino onde capacetes chocam, jogadas são estudadas e bolas de couro são lançadas e apanhadas. Com recursos limitados, mas muito compromisso, as equipas de futebol americano tentam tornar o seu objetivo ousado numa realidade mais próxima: a palavra "touchdown" ser um dia gritada, em bom português, perante milhares de adeptos.
As primeiras equipas formaram-se há precisamente 20 anos, com o Alverca Crusaders (atuais Cascais Crusaders), o Lisboa Navigators, Porto Renegades e o Paredes Lumberjacks a confrontarem-se em campo, embora nos primeiros tempos tenham funcionado sem a organização e estruturas necessárias. Desde essa altura que o número de equipas e praticantes da modalidade não para de aumentar. Jovens e adultos de diferentes idades juntam-se e dão vida ao desporto por pura paixão. De 2011 a 2019, os Lisboa Navigators foram a equipa preponderante da década, ao vencerem as seis primeiras edições da LPFA. Em 2015/16, o domínio Lisboa Navigators foi quebrado pelos Lisboa Devils que saíram vitoriosos em duas edições seguidas da liga. Nos anos seguintes, a competitividade aumentou e o número de atletas também. As últimas edições da LPFA ficam marcadas como as edições mais competitivas até à data. Na última final, que teve lugar a 23 de junho de 2024, no Estádio do Benfica, os Lisboa Devils venceram os Lisboa Navigators por 28-27.
André Amorim, ex-jogador e atual comentador de NFL (National Football League) na Eleven Sports, confidencia que "os primeiros anos da liga em Portugal foram alimentados, sobretudo, pela paixão dos praticantes. Jogavam tanto miúdos com 16 ou 17 anos como adultos com 40 e tal". A falta de apoios, tanto financeiros como estruturais, eram compensados pela euforia e paixão dos fundadores das equipas e pelo compromisso dos atletas.
Para Pedro Fernandes, também comentador da DAZN e na altura da reportagem treinador defensivo dos Lisboa Devils, o principal pilar do crescimento da modalidade deve-se à crença nos novos projetos: "Equipas como os Navigators, os Crusaders, os Warriors, os Lumberjacks... todas elas foram fundamentais no crescimento do desporto em Portugal." Antes da pandemia Covid-19, a chegada de jogadores e de treinadores norte-americanos representaram, também, um papel determinante, especificamente no desenvolvimento técnico e tático das equipas, elevando o nível competitivo da Liga Portuguesa de Futebol Americano (LPFA).
A exposição mediática da NFL e o aumento do interesse pelos grandes eventos do desporto a nível internacional, como o Super Bowl, têm influenciado positivamente a visão do público português. "Temos notado um aumento significativo no número de pessoas que acompanham a NFL", diz André Amorim, expondo o impacto do trabalho realizado na DAZN e da cobertura dos media em geral.
Modalidades como o flag football, uma versão sem contacto físico, também têm vindo a ganhar adeptos. Com presença confirmada nos Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028, prevê-se que o flag possa ser uma importante porta de entrada para o futebol americano em Portugal. André Amorim sublinha o seu potencial: "É mais inclusivo e pode servir como base para ensinar os fundamentos do jogo e adaptar o estilo ao perfil físico dos atletas portugueses."
Dos alicerces ao relvado
Paralelamente ao aumento da competitividade e número de praticantes, o futebol americano enfrenta, em Portugal, alguns desafios de estruturação. Uma das mais importantes questões levantadas relaciona-se com a liderança da
associação, conhecida como Federação Portuguesa de Futebol Americano. "A falta de continuidade na liderança da federação tem sido um dos maiores desafios. Nunca há uma direção que dure mais de dois ou três anos, o que gera instabilidade", afirma André Amorim. Pedro Fernandes constata as melhorias com a atual direção, destacando como ponto positivo o facto de "não estarem ligados diretamente a clubes, o que permite maior imparcialidade e foco total no desenvolvimento nacional da modalidade".
A limitação das infraestruturas é outro dos principais obstáculos. Com a maioria dos campos ocupados pelo futebol, e agora também pelo futebol feminino, torna-se complexo encontrar locais de treino com qualidade. "A dificuldade em conseguir campos em boas zonas e com horários decentes é um problema constante", confirma o comentador da DAZN, André Amorim.
A profissionalização da modalidade ainda parece estar longínqua. A maior parte dos atletas estuda ou trabalha a tempo inteiro e o futebol americano permanece um hobby. "Jogámos contra uma equipa universitária americana e perdemos por 54-0. A diferença foi física. Eles têm rotinas de ginásio, nutrição, descanso. Nós ainda estamos longe disso", conclui.
Pedro Fernandes sublinha a ideia de que o sucesso a longo prazo demanda um plano e com um plantel sólido: "Tentar formar uma equipa com 20 ou 25 jogadores não é sustentável. Para se manter, um grupo precisa de estrutura, staff, recursos e pelo menos 40 atletas comprometidos."
Os obstáculos para afirmar o futebol americano têm, no entanto, sido derrubados com a mesma determinação que os jogadores enfrentam os adversários em campo. A criação de escalões de formação de flag football, a aposta nos treinadores estrangeiros, o desenvolvimento de uma federação sólida e o aumento da cobertura dos média são, como refere Pedro Fernandes, "passos fundamentais para a consolidação do futebol americano em território nacional".
Desafios fora do campo
Do ponto de vista institucional, o crescimento fica bastante dependente também da capacidade de garantir apoios financeiro e reconhecimento das entidades desportivas. Segundo Pedro Esteves, presidente da Federação Portuguesa de Futebol Americano (FPFA), há dois pontos fulcrais neste processo: "É muito importante garantirmos o Estatuto de Utilidade Pública e, de seguida, o de Utilidade Pública Desportiva para termos acesso a vários apoios, tais como o financiamento proveniente das apostas desportivas." Além disso, o presidente da Federação realça que a profissionalização das equipas deriva, sobretudo, do esforço individual de cada clube: "Dependerá da obtenção de apoios e patrocínios da parte dos próprios clubes."
O equilíbrio entre apoio institucional e o capital próprio será determinante para o futuro do futebol americano em Portugal. O trabalho da federação, em conjunto com a paixão das equipas e dos respetivos jogadores e ao interesse progressivo do público, pode abrir vários caminhos para um novo capítulo de modernidade em solo português.
O AUTOR
VASCO ANTÓNIO
Vasco António é estudante de Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS). Movido por uma curiosidade constante sobre o mundo, tem um especial interesse pelas áreas da geopolítica, da sociedade e do desporto, tanto em contexto nacional como internacional. Na escrita, reconhece uma ferramenta de investigação e descoberta, procurando dar vida a histórias que, muitas vezes, passam despercebidas.