Uma entrevista a não perder: "Fui o melhor do mundo? Essas coisas esquecem-se"
Arpar Sterbik, 40 anos, autêntica lenda da modalidade, esteve no sábado no Dragão Arena e deu uma entrevista exclusiva a O JOGO
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Se Sterbik já era famoso, mais ficou quando, em 2018, no Europeu da Croácia, foi chamado à última hora devido à lesão de Perez de Vargas.
Pode recordar o Europeu de há dois anos, em que foi chamado de urgência, quando estava de férias?
Isso não é algo que aconteça todos os dias, é uma situação rara e que acontece uma vez na vida, mas acabou por ser mais doce ganhar o campeonato europeu assim.
Mas estava de férias, não estava?
Sim, embora estivesse a treinar dois/três dias por semana com cinco/seis companheiros. Na verdade, estava mais em casa a ver o Euro na televisão e a ver como os franceses estavam a rematar bem, muito fortes e, de um dia para o outro, fui chamado e a meia-final foi com a França.
Mas nesse jogo nem entrou muito...
Havia um outro guarda-redes em grande forma, o Rodrigo [Corrales] e eu disse que não estava bem, não estava a treinar, não estava em forma, mas que poderia ir para dar-lhe algum descanso durante os jogos, para que pudesse ir ao banco cinco minutos, mas nunca para jogar mesmo, estava sem ritmo competitivo. Na partida com a França só estava a entrar para os livres de sete metros, mas na final entrei na segunda parte e acabou por me correr bem.
Em 2005, foi o primeiro guarda-redes a ser considerado o melhor jogador do mundo, algo a que este sérvio com cidadania húngara e espanhola não liga. Disse a O JOGO que vai terminar a carreira
Correr bem? Fez uma exibição sensacional...
Pode ser que já não seja o mais rápido, o mais isto ou mais aquilo, mas tantos anos a jogar dão-me experiência para estas situações, já as controlo bastante bem.
Teve a noção de que "deu" o campeonato da Europa à Espanha?
Não, não... Se não defendesse eu, defendia outro e até acabámos por ganhar essa final de forma fácil...
Em 2005, foi considerado o melhor jogador do mundo pela IHF (Federação Internacional de Andebol), tendo sido o primeiro guarda-redes a consegui-lo. Como se sentiu nessa altura?
-Nunca pensei nessas coisas, que era o melhor guarda-redes ou o melhor jogador, a única coisa que eu fazia e sempre fiz foi jogar e aproveitar cada jogo, cada momento no pavilhão e, assim, ajudar a minha equipa a ganhar títulos em Espanha, na Europa ou onde for. Além disso, essas coisas esquecem-se e no ano seguinte há outro e já todos se esqueceram do anterior [ri-se]. O que conta é ir lutando ano a ano pelas equipas onde estamos a jogar e a defender.
Como surgiu o andebol na sua vida?
O meu pai era jogador, lateral-esquerdo, era muito bom, mas nunca foi jogar para o estrangeiro, jogou sempre na antiga Jugoslávia, que era, na altura, uma grande potência. E eu cresci nos pavilhões, o meu pai estava a treinar e eu andava para lá a correr, a brincar com as bolas de andebol... Depois, comecei a jogar, rapidamente fui jogar com os mais velhos e, entre eles, não conseguia fazer muito. Um dia faltava um guarda-redes e eu fui para a baliza e assim se foram passando as semanas comigo na baliza.
"Cresci nos pavilhões, o meu pai estava a treinar e eu andava a correr, a brincar com as bolas de andebol"
Imagino que o seu pai não tenha ficado contente...
Bom... [ri-se], um dia chego a casa e ele pergunta-me como andavam a correr os treinos e eu disse-lhe que iam muito bem, que estava a defender muito bem, que "parava" cada vez melhor e ele, que queria que eu fosse lateral, como ele foi, respondeu-me que para a baliza ou para pivô só ia quem não sabia jogar andebol.
Que diferenças nota no andebol desde os tempos em que começou a jogar e agora?
Eu já vou em 20 anos seguidos a jogar a Liga dos Campeões e, no início, o andebol era mais lento e cada equipa tinha sete bons jogadores, algumas tinham um defensor, e o resto eram miúdos. Além disso, apenas se podiam inscrever 12 atletas na ficha de jogo. Agora, as equipas têm 20 jogadores e nem se sabe qual é o melhor, o jogo está muito mais rápido e é muito mais bonito para o público. Creio que o andebol está a crescer e melhorar a qualidade a cada ano que passa e apareceram novos países como o Catar, a Arábia Saudita.
É cada vez mais difícil para os guarda-redes, concorda?
É sim. Hoje remata-se muito forte, há mais jogadores para analisar, perde-se mais tempo a preparar os jogos.
"Às vezes eu próprio não sei o que os árbitros apitaram"
"Agora já não mudaria a regra de o guarda-redes sair e entrar outro atacante, porque como vou deixar de jogar, já não sou eu que vou ter de correr a sair e a entrar", disse Sterbik a O JOGO, a rir-se, quando perguntado o que mudaria no andebol. "A nossa modalidade é muito parecida com o polo aquático, apitam algo e não se sabe o que apitaram... A falta atacante, o passivo, deviam ter regras mais claras. Às vezes eu próprio não sei o que os árbitros apitaram, mas para quem vê, para os adeptos, já está uma modalidade muito bonita, com velocidade, muitos golos, muitas defesas e já são jogadores, como dizer, mais atléticos, e não como aqueles russos de antigamente com dois metros que só atiravam pedras. Agora, há bastantes jogadores de muita qualidade técnica."