
Victor Salgado/FC Barcelona
Edu Castro, treinador do Barcelona, foi campeão numa época que não chegou ao fim e que foi anulada em Portugal e Itália
Três meses de confinamento, cortes salariais e futuro incerto é o que sobra da pandemia. O cenário não é animador, mas o tecnico Edu Castro quer ser otimista e assegura que nem pensa num plano B
O Barcelona começou por vencer a Liga Catalã, perdendo a Supertaça para o Reus e estava na frente da OK Liga, com 24 vitórias consecutivas e a possibilidade de discutir ainda a Taça do Rei e a Liga Europeia, quando uma pandemia cancelou tudo. Edu Castro, de 53 anos, o homem à frente da melhor equipa de Espanha, e no momento mais invulgar da sua carreira, opta por dar voz à ponderação. Instrospetivo e leitor compulsivo - amante de Fernando Pessoa, que gosta de citar amiúde - , o galego, natural de Vigo, há 15 anos no Barça, com enorme experiência de formação e que foi adjunto de Ricard Muñoz por quatro épocas, antes de se tornar número um em 2017, anseia por "normalidade."
O que espera do resto do ano? Ansioso que termine?
- Ansioso que termine não, mas que tudo retome o curso normal e nos voltemos a ver na pista com normalidade.
Como passou o confinamento? Dedicou-se mais ao hóquei ou à leitura de que tanto gosta?
-Foram três meses intensos: muitos vídeos de hóquei e contacto telemático com a equipa. Também preparei matéria de Tática do Nível II da federação catalã, da qual sou professor. Convidaram-me para para diversas conversas telemáticas; abriu-se uma via nova de comunicação que não devíamos perder. E sim, li mais do que o habitual. Descubri o universo de Serguei Dovlatov, esmagador. E, neste momento, estou mergulhado numa biografia maravilhosa de Kafka, Os Anos das Decisões, de Reiner Stach.
Acha que o regresso do desporto está a ser feito de forma correta ou acha que algumas modalidades são favorecidas?
- Foi como devia ter sido; deu-se prioridade à saúde. O facto de algumas modalidades estarem mais profissionalizadas também influenciou e não tenho nada a objetar.
Que expectativas tem para 2020/21? Quando conta ter público nos pavilhões?
-A expectativa, como é sempre livre e como prefiro ser otimista, é a de que se possa completar a época da forma o mais "normal" possível e oxalá possa haver público a partir de setembro. Sem público, teremos de nos adaptar para sermos competitivos em ambientes sem essa pressão.
Como foi regressar ao Palau em junho? Do que senti mais falta?
- Passamos muitas horas no Palau e para nós é um local que se entranha. Tinha saudades do trabalho quotidiano e dessa sensação única de me sentir como em casa. Quer dizer, de me sentir como em casa, não; de estar realmente em casa.
Em Portugal e Itália, os campeonatos foram anulados. Em Espanha, a federação atribuiu o título ao Barcelona. Foi a decisão que esperava?
- Qualquer decisão seria difícil. De todos os títulos, este foi o mais estranho. Mas mais do que o título, guardo as boas sensações dos jogos ao longo da época e o crescimento constante. Esse será o verdadeiro título desta época.
Naturalmente, o Barcelona preferia ganhar na pista mas não foi possível, como viu as criticas do Deportivo Liceo?
- Entendo todas as posições e o Liceo felicitou-nos publicamente, algo que, por equívoco, e não me dando conta na altura, censurei. Aproveito para reiterar as minhas desculpas e felicitar o Liceo pela grande OK Liga que fez. Obrigaram-nos a encadear uma sequência de vitórias impensável.
Como comenta o facto do clube ter dito que queria jogar o campeonato português?
- O Liceo torna a OK Liga mais competitiva e não imagino esta competição sem o Liceo.
Olhando para esta época, o que se ganhou e se perdeu?
- Perdemos meses de hóquei e um final de época que se afigurava espetacular. Paradoxalmente, ganhámos ligação telemática. Não me lembro de tanta atividade febril para partilhar conhecimentos e não devemos perder isto. O mundo do hóquei interligou-se no afastamento e agora estamos um pouco mais unidos.
Tem receio da segunda vaga? Tem um plano B?
- Oxalá não aconteça, mas se acontecer já temos mais bagagem. Plano B? Não, mas estamos atentos.
A crise e os cortes salariais
"Não duvidámos em nos solidarizar com a situação do clube"
Para fazer face à crise gerada pela pandemia, foram vários os clubes que procederam a cortes salariais e o Barcelona foi um dos que o anunciou. "No nosso caso não duvidámos em nos solidarizar com a situação do clube e entendemos as medidas adotadas", afirmou Edu Castro, realçando: "É mais um motivo de orgulho a forma como a equipa enfrentou esta situação. Somos uns privilegiados por estarmos neste clube. Tudo isto terá consequências económicas, para já ainda imprevisíveis, e avizinham-se tempos complicados. Espero que tudo se restaure com o mínimo sofrimento possível."
As três finais com o FC Porto
"São recordações inesquecíveis"
Em breve, o Barça terá um pavilhão novo. Edu Castro não sabe quando se mudará, mas quer-se "despedir com devoção e respeito" do seu Palau, ao qual chama "catedral", pela "áurea especial", "por "nele terem patinado tantos jogadores excecionais" e por momentos históricos como o título mundial conquistado por Portugal em 2019, no qual André Girão saiu como herói. "Foi um campeonato grandioso o do Girão e de toda a seleção. Surpreenderam não pelo título, mas pela solidariedade defensiva." Fora de casa, outras pistas marcaram Edu Castro, como a do Dragão, onde ganhou a primeira Liga Europeia como treinador principal, o Aldo Cantoni (Argentina), onde ganhou a Taça Intercontinental. "As três finais consecutivas com o FC Porto são uma recordação inesquecível", conta o treinador.
O regionalismo do hóquei em patins
Edu Castro nasceu na Galiza, mas cresceu na Catalunha, os dois principais pólos do hóquei em Espanha, país que "tem feito esforços" por alargar a modalidade a todo o território, mas sem êxito:" O hóquei está, aos poucos, a crescer muito em localidades como em Madrid. Oxalá possa estender-se mais, mas é um mal congénito de difícil solução."
A paixão pelo Barça onde está há 15 anos
"Não concebo lugar melhor para viver esta paixão de treinar", é assim que Edu Castro fala sobre o Barcelona, onde está há 15 dos 40 anos que leva de hóquei. Mas quando questionado sobre o futuro, o técnico é claro: "O futuro é um lugar perigoso. Para o viver, há que estar no presente, o que eu desfruto plenamente. Pessoa [Fernando Pessoa] disse que somos do tamanho do que vemos. E eu quero ver-me azulgrená muito tempo."
Os 31 títulos obtidos no campeonato
Em 50 edições do campeonato espanhol, o Barcelona leva 31 títulos, domínio que por vezes lança o debate em torno da competitividade da OK Liga e que Edu Castro refuta: "Tem um nível excecional, especialmente apesar do êxodo de bons jogadores para o hóquei português. As equipas são competitivas. Quando se deu a paragem, era o único campeonato com a possibilidade de apurar as suas quatro equipas para os quartos de final da Liga Europeia. O trabalho tático na OK Liga torna-a atrativa."
Agenda do Europeu e viabilidade dos WRG
Os World Roller Games tem um caderno de encargos superior a um milhão de euros e a viabilidade é tema recorrente. Para Edu Castro "a ideia é boa, uma vez que a não inclusão olímpica tira palco ao hóquei" e "como qualquer ideia inovadora, precisa de se consolidar e se adaptar à realidade." Sobre a discussão em torno das provas de seleções, o técnico considera: "Ter competição de seleções todos os anos poderia ser revisto. A periodicidade pode ajudar a valorizar mais os títulos."
