No dia da Mulher, conheça a realidade de um clube só para elas: o Almeida Garrett
No Dia Internacional da Mulher e poucas semanas depois de ter festejado 35 anos, O JOGO dá-lhe a conhecer a realidade de um clube de andebol que se dedica apenas às senhoras. E são mais de 150.
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Com mais de 150 atletas e apenas femininos - o que está na sua génese e nunca mudou -, numa aventura que recentemente cumpriu 35 anos, o Almeida Garrett é um clube com um sonho.
"Ter um pavilhão próprio. É esse o sonho, mas, com o crescimento que estamos a ter no número de atletas, também uma necessidade. Ainda não é possível, mas é um sonho e estamos a trabalhar para isso, não podemos só sonhar", diz a O JOGO Arcelina Gomes, presidente do emblema gaiense que é um caso raro no desporto nacional e justamente destacado neste Dia Internacional da Mulher.
As equipas do clube dividem-se entre o pavilhão Municipal de Gaia (Lavandeira) e as instalações da Escola Almeida Garrett, o antigo Liceu de Gaia, Escola Manuel Pina e Escola Maia/Brenha, para os treinos. "Temos patrocinadores que nos ajudam, e que são muito importantes, mas não chegam. Ainda assim, até por estes dois anos de covid, os apoios que temos foram decisivos", admite a dirigente, ex-atleta do clube até ao ano passado e com duas filhas - Leonor (iniciada) e Carolina (mini) - a seguirem as pisadas da mãe.
"Na última contagem que fiz tínhamos 153 atletas, mas sei que já se inscreveram mais duas ou três", refere a antiga central, explicando como, mesmo nos dois anos da pandemia, não perderam jogadoras: "Muitas são filhas de ex-atletas e, depois, começaram a passar a palavra. Para além disso, os nossos treinadores vão às escolas. Mesmo com a covid, mantivemos os treinos on-line, quisemos que as atletas sentissem que não as tínhamos abandonado e não perdemos ninguém. Aliás, mal abriram, tivemos logo novas inscrições".
Para além de um pavilhão próprio, a intervenção no futuro das jovens atletas é outra função do clube de Vila Nova de Gaia. "Gostamos de ter jogadoras que queiram ser profissionais de andebol, árbitras, treinadoras, enfim. Por isso recebemos tantas meninas aqui. Em quase todos os escalões temos duas equipas. As atletas são tantas que não as podemos ter sem jogar e, se quisermos, também temos gente para fazer uma equipa de veteranas, só ainda não nos virámos para isso", revela.
Recandidatura para "crescer mais um pouco"
Arcelina é presidente do Almeida Garrett há quatro anos. O mandato acaba em abril e vai recandidatar-se. "Depois desta evolução não queria parar. Quero ver se crescemos mais um pouco. Para além do pavilhão, o objetivo é continuar a apostar no desenvolvimento do andebol feminino em Gaia, dando todas as condições às atletas e técnicos para isso", diz. Sobre a equipa sénior, a permanência na I Divisão, estando em último, é quase impossível, mas a ideia é regressar e ficar. "Descerem quatro já complicava as contas desde o início. Mas o objetivo é voltar a subir e estabilizar na I Divisão. É a equipa para onde as jovens da formação olham e querem chegar", justifica.
"Há muita coisa para fazer no feminino"
Já teve a possibilidade de trabalhar com os masculinos, mas nunca o fez porque a "aposta pessoal é fazer crescer o feminino". Aos 38 anos, esta ex-atleta diz que "urge capacitar a mulher do que pode fazer".
"Ser coordenadora representa a completa ambição. Já podia ter enveredado pelo masculino, tive essa possibilidade, mas mantive-me sempre no feminino por considerar que há muita coisa para fazer e não se pode desistir. A minha aposta pessoal é fazer crescer o feminino e a do Almeida Garrett sempre foi essa. Os meninos que cá aparecem são encaminhados para a União Académica de Avintes ou para o FC Gaia", assume, de pronto, Cristina Fernandes, coordenadora desportiva.
Foi atleta do clube, ponta-direita, destra, em 2006/07 e 2007/08, e chegou, em 2016/17, para as novas funções, estando, portanto, há cinco anos no Clube Jovem Almeida Garrett. "Urge capacitar a mulher do que pode fazer. Não existem exemplos no feminino, temos algumas atletas num registo individual, mas no coletivo nem tanto. Há o Benfica, que apostou claramente no feminino, temos o Madeira SAD que há muito faz isso. E quando falo em mulher não é apenas a jogadora, mas também a treinadora, a árbitra, a dirigente, a mulher no desporto de uma forma global. O que inspira a criança é aquilo que ela consegue ver e se vir só mulher professora de Educação Física a coisa fica muito curta", refere, continuando: "O Almeida Garrett trabalha com as escolas e é desta forma que chegamos às meninas. Mas também aparecem aqui algumas a bater-nos à porta e, depois da covid, as famílias perceberam a importância da Educação Física e têm aparecido ainda mais".
Cristina Fernandes explica que "nas sub-17 e sub-20 já existe o sonho de querer chegar longe e às seleções" e fala no projeto que tem vindo a ser desenvolvido por parte da Federação de Andebol de Portugal (FAP).
"Houve um investimento muito significativo e a Vera Lopes [DTN nacional feminina] acabou por fazer um trabalho fabuloso, unificando os conceitos, ou seja, não só a aproximação do feminino aos métodos e condições do masculino, mas também o facto de haver um sistema de jogo partilhado por todas as seleções, desde as mais jovens até às seniores, criando uma expectativa positiva. Agora, não é só a que é alta e esquerdina que tem possibilidades", lembra esta gaiense, a terminar a licenciatura em Educação Física, que prossegue nos elogios à FAP: "Sob a liderança do Zé Tó [José António Silva, selecionador nacional A], que é uma grande mais-valia na seleção A, também com o Luís Santos nas sub-18 e o Artur Rodrigues nas sub-16, tem sido feito um excelente trabalho. Formou-se um grupo fabuloso e isso acabou por inspirar o feminino. Agora, não chega só uma bola de andebol... O Garrett, por exemplo, tem treinadores, nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, fisiologista, enfim, uma equipa multidisciplinar".
As diferenças do feminino para o masculino são outro ponto importante para quem tanto quer desenvolver o desporto entre as senhoras. "O masculino move as massas, é como futebol perante as outras modalidades. Normalmente, quem é muito bom no feminino mais cedo ou mais tarde vai parar ao masculino. Mas o Garrett quer manter as pessoas de qualidade e comprometemo-nos a dar-lhes as condições que merecem. O André Rodrigues, treinador, por exemplo, é profissional e trabalha com a formação, porque a nossa aposta é aí, porque quanto melhor se trabalhar na formação, melhor será a equipa sénior", recorda, dizendo-se esperançosa num futuro marcado pela evolução.
"Nada é impossível, porque há dez anos nada disto existia. São passos lentos e falta picar muita pedra para chegar ao nível do masculino, mas eu acredito. Vê-se o exemplo da Noruega, da Dinamarca, da Espanha. Quando não se enchem pavilhões, claro que há dificuldades. Precisamos de apoio, de sponsors, de publico. O feminino precisa de apoio e a seleção feminina foi quem abriu caminho para a comunicação social", sublinha.