Carlos Lopes, 35 anos depois: "Só fui maratonista para me tornar campeão olímpico"
Foi há 35 anos que o sportinguista bateu o recorde mundial da maratona, em Roterdão
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O currículo de Carlos Lopes é único. Na pista foi medalhado olímpico e recordista europeu. No crosse foi três vezes campeão mundial e o último nascido na Europa a vencer. Na estrada sagrou-se campeão olímpico e o último europeu a ser recordista mundial. Aqui recorda-se esse "grand finale", aos 38 anos, obtido com a mesma singularidade que marcou toda uma carreira ímpar. Carlos Lopes chegou a Roterdão, onde já correra duas vezes coroado com o título olímpico do ano anterior, e a prometer mais do que nunca, pois, um mês antes, em Lisboa, tinha ganho, pela terceira vez, o título mundial de corta-mato.
A passagem pela cidade holandesa espelhava a carreira como maratonista, com sete provas marcadas por uma grande irregularidade que ia dos maiores momentos a desistências. Na estreia nesta cidade batera o recorde da Europa, mas no ano anterior desistira aos 30 quilómetros, justificando esse abandono com o argumento de que o objetivo de 1984 eram os Jogos Olímpicos. No verão seguinte provou estar coberto de razão.
Carlos Lopes explicou a O JOGO a razão pela qual se dedicou à maratona, tendo a aposta tido êxito
Lopes foi único no valor e na forma como geriu a carreira. A época de 1985 é um bom exemplo disso. Em fevereiro, perdeu, em Tróia, o Nacional de corta-mato, para o colega e rival Fernando Mamede, sem apelo nem agravo. Um mês depois, desfez-se de toda a concorrência africana, para se sagrar, no Jamor, pela terceira vez, campeão mundial dessa mesma especialidade. No final, causou espanto ao afirmar que o sucesso o tinha surpreendido pois não estava em forma. Passado 27 dias, batia o recorde do mundo da maratona. Tinha sido, como o próprio hoje recorda, um grande bluff.
A organização sabia quem tinha contratado e deu-lhe duas lebres que só trabalharam até aos 20 quilómetros. À meia-maratona já Lopes corria só contra o mundo, passando com 1h03m24s, dentro do tempo para máximo mundial. Na segunda metade realizou 1h03m47s. O recorde que Steve Jones conseguira em Chicago caía por 53 segundos. Nunca um homem cobrira os 42,195 quilómetros abaixo das 2h08m e foi por escassos 37 segundos que ficou por cumprir a distância a uma média de 20km/h. Tudo isto em autêntico contrarrelógio, porque se houvesse oposição tudo ainda poderia ter sido melhor.
De 1976 a 1985, Carlos Lopes fez uma carreira enorme que o coloca entre os maiores fundistas de todos os tempos. Títulos mundiais e olímpicos, medalhas de grande valor, máximos europeus
Passaram 35 anos, mas, para o autor da proeza, parece que foi hoje. Carlos Lopes recordou este feito e revelou o motivo de, numa longa carreira, se ter tornado maratonista tão tarde.
Que recordações guarda do dia em que bateu o recorde mundial?
Muito boas, foi a primeira vez que alguém correu abaixo das 2h08m. Foi histórico e imprevisível para a época. Eu já estava em grande forma quando ganhei o Mundial de corta-mato, em Lisboa, e depois foi esperar pelo momento. Corri mais de metade da prova sozinho e, se tivesse tido luta, se calhar o resultado podia ter sido outro.
Qual foi o seu melhor momento de forma, no título olímpico de Los Angeles ou no recorde do mundo de Roterdão?
Em Los Angeles, sem dúvida, Na forma em que estava, o pior resultado que podia ter era ganhar. Como estava naquele momento, numa maratona comercial, com outras condições, poderia fazer 2h05m.
Porque só se dedicou durante seis anos à maratona?
Só me virei para a maratona para me tornar campeão olímpico. O atletismo, então, não era tão individual como é hoje e também não se ganhava tanto dinheiro na maratona como agora. Uma coisa é certa, se me tivesse virado para a maratona mais cedo se calhar não tinha chegado onde cheguei. Não tinha durado tanto.