<strong>ENTREVISTA (Parte 2) - </strong>Magnus Andersson chegou ao FC Porto vindo da Bundesliga, considerado o melhor campeonato do mundo. Admite sentir falta dos megapavilhões e de jogar todas as semanas com equipas de topo.
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O campeonato português nunca será como o alemão, mas o treinador do FC Porto gostava que se discutisse o tema, pelo menos.
"Não é que a equipa [do Goppingen] seja melhor do que a nossa, mas o interesse pelo jogo na Bundesliga é muito maior"
Teve resultados muito interessantes no Goppingen [venceu duas Taças EHF]. Quer comparar o potencial dos dois clubes?
-Não podemos comparar estes dois clubes. O Goppingen é um clube da tradição do andebol, de outro nível. Não é que a equipa seja melhor do que a nossa, mas o interesse pelo jogo na Bundesliga é muito maior. Nos meus dois primeiros anos, tínhamos quase cinco mil pessoas no pavilhão, todos os jogos. É outro nível de interesse. Há muitas equipas lá que conseguem seis, sete, oito mil espectadores. O Kiel ultrapassa os dez mil. É tudo maior. E não há lá adversários como alguns que temos cá, em que nos basta fazer um jogo aceitável para ganhar por dez ou quinze golos. O nível competitivo na Bundesliga é mesmo muito alto.
Sente falta disso?
-Muitas vezes. Agora estou bem aqui e não voltaria à Alemanha, mas é a melhor liga do mundo, onde cada jogo é um evento ao nível da Champions. Todas as semanas. Às vezes, aqui, se formos ao Boa Hora temos cem espectadores. A dimensão da Bundesliga é espantosa.
"Somos 14 equipas [no campeonato] e não me parece que haja nível para tantas. Isso assusta-me um pouco"
Tenho falado com o presidente da Federação Portuguesa de Andebol sobre como fazer crescer a modalidade. Acha que boas participações nas competições internacionais de clubes e seleções chegam para fazer crescer o andebol?
-Acho que o andebol pode ser muito maior aqui, mas não como na Bundesliga. Os três grandes clubes de futebol são muito importantes. Se eles não estivessem no andebol, não sei o que aconteceria. Mas é fundamental que haja outras equipas e que elas saibam trabalhar com os jovens jogadores e fazê-los crescer, mesmo que seja para que FC Porto, Benfica ou Sporting os vão buscar depois. É a vida. Também acho que precisamos de discutir o que queremos fazer com a Liga no futuro. De momento, somos 14 equipas e não me parece que haja nível para tantas. Isso assusta-me um pouco.
Menos equipas, portanto?
-Sim. É algo que precisamos de fazer.
Gostava de participar nesse debate?
-Se alguém me pedir [risos].
Tem o professor Magalhães no FC Porto.
-Sim, mas é algo que a Federação e as equipas portuguesas devem começar a discutir: o que podem fazer melhor no futuro. É uma pergunta importante para o campeonato e para os jogadores.
"Tenho a sensação de que aqui não podemos debater, não podemos falar uns com os outros, e não percebo"
Falou em algo que é uma queixa comum a vários jogadores de andebol que conheço. O excesso de faltas; o facto de o contacto estar quase proibido na atual arbitragem portuguesa. Já não se pode tocar no adversário. Também se deve debater esse tema?
-Gostaria de o debater, sim. Às vezes, é um problema grande para as equipas. Vamos jogar na Europa e é como se fossem dois tipos de andebol diferentes. Não digo que se deve ultrapassar os limites, mas sim permitir um jogo mais duro. Também não peço que se jogue como na Bundesliga ou no andebol internacional, mas que discutamos juntos o que se pode fazer para melhorar. Tenho a sensação de que aqui não podemos debater, não podemos falar uns com os outros, e não percebo. Se pudermos levar o andebol para outro nível, será melhor para todos, por isso precisamos de conversar sobre muitos assuntos. As faltas são uma delas, mas também o dinheiro. Há coisas que podem ser bastante melhores.
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"RECEBO TELEFONEMAS DE AGENTES"
Não se faz uma boa Liga dos Campeões impunemente, mas o treinador do FC Porto não dá sinais de temer uma razia na equipa, embora admita que gostaria de manter este grupo enquanto durar o contrato com o FC Porto, válido até 2022.
Os seus amigos e contactos no estrangeiro estão curiosos com esta equipa? Fazem-lhe perguntas?
-Claro. Fazem muitas perguntas. Amigos, treinadores, mas também muitos jornalistas. Ligam agentes, a todo o momento, a perguntar pelos nossos jogadores. Depois do que fizemos na época passada, gerou-se muito interesse pela equipa e pelo que fazemos.
Tem mais dois anos de contrato. Manter estes jogadores vai ser um problema?
-Não. Mas não fico surpreendido se houver interesse neles. Os melhores clubes do mundo estão sempre a observar-nos. Os jogadores são bons, são jovens, e, como falávamos há pouco, esta nova geração já dá nas vistas, vai estar no campeonato da Europa. Depois dos nossos resultados na EHF e na Liga dos Campeões, é normal que haja interesse. E também espero que algum deles tenha a possibilidade de jogar noutro campeonato, talvez na Bundesliga, que é a melhor do mundo. Mas conto que fiquem enquanto cá estiver. Temos uma equipa engraçada, muito boa.
"ÀS VEZES, ADORMEÇO NO SOFÁ A VER FUTEBOL"
Apesar de ter jogado futebol, Magnus deixa escapar que tem outras preferências.
O FC Porto é um clube de futebol...
-A sério, também jogam futebol aqui? [risos] Eu sei, é um clube de futebol. Em Portugal, é futebol, futebol, futebol.
Sente, da parte do clube, que o seu trabalho tem impacto, que estão interessados?
-Sim, com certeza. Aqui no Norte, percebemos que também há muita tradição no andebol. Falou há pouco do que o Braga [ABC] fez no andebol internacional e sentimos isso quando lá vamos. Tenho o sentimento de que as pessoas aqui têm um interesse genuíno na modalidade. Nos jogos grandes, também vemos aqui os nossos adeptos. Imagino que os adeptos do futebol também cá venham nessas alturas apoiar o FC Porto. É bom sentirmos que somos uma família e que não importa se é andebol ou futebol.
Qual é a sua equipa de futebol?
-Não tenho. Quer dizer, na Suécia tenho algumas. Tenho muitos amigos que jogaram futebol. Não direi que sou amigo, mas conheço muito bem o selecionador, Janne Andersson, que é da minha terra e com quem trabalhei muito tempo. Na Suécia, também gosto muito de hóquei no gelo. Interesso-me por todos os desportos e também vejo futebol, embora às vezes adormeça no sofá, quando é aborrecido. E vou ver alguns jogos do FC Porto quando são cá no estádio. O FC Porto é a minha equipa agora.
As pessoas já o reconhecem na rua, no Porto?
-Cada vez mais.
Mas não como na Suécia. Deve ser um ídolo lá...
-Não, não. Talvez quando jogava e éramos campeões europeus ou íamos aos Jogos Olímpicos, estávamos sempre na televisão. Posso sair à rua sem problemas na Suécia.
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"REVEJO-ME NO RUI SILVA E NO MIGUEL MARTINS"
O treinador do FC Porto fez carreira como central, a organizar o ataque de uma das melhores equipas da história. Há elogios e há senhores elogios.
O Magnus foi um jogador de topo e vem de um país onde o andebol tem um grande protagonismo. Quer fazer uma comparação entre o público sueco e o português?
-São um pouco diferentes, claro. A Suécia tem muita tradição, no desporto e no andebol em particular. Temos outro tipo de estruturas nos clubes. Cresci em Linkoping, a 200 quilómetros de Estocolmo, e comecei a jogar lá. Também joguei futebol.
Membro de uma grande geração do andebol sueco e mundial, Andersson fala com entusiasmo da evolução que o jogo sofreu
Em que posição?
-No meio-campo.
Quase como no andebol.
-Sim. Mas nessa altura, no começo dos anos 1980, o bloco de Leste era realmente muito bom no andebol. Só jogava quem tinha dois metros de altura e pesava 120 quilos. Estava habituado a ouvir que era demasiado pequeno e que devia dedicar-me ao futebol. Não sei se foi por teimosia que meti na cabeça que ia provar o contrário. Depois, foi tudo muito rápido. Mudei-me para o Halmstad e um ano mais tarde estava na seleção da Suécia, onde joguei de 1988 até 2003.
Jogou numa seleção histórica.
-Agora percebo isso. Tínhamos jogadores muito bons e conseguimos resultados extraordinários. Foram quase quinze anos juntos, muitas medalhas, muitos campeonatos da Europa, Mundiais...
O andebol mudou muito entretanto, está bastante mais rápido, mais poderoso. Acredita que essa grande equipa da Suécia teria o mesmo êxito agora?
-É difícil dizer. Não penso muito no passado. Os meus jogadores são muito físicos, são profissionais, treinam realmente bem... Talvez algumas coisas fossem melhores antes, enquanto outras são muito, muito melhores agora. Como disse, é tudo tão físico e tão rápido agora...
Sente a falta do andebol mais elegante desses tempos?
-Não. Aqui no FC Porto temos uma boa mistura disso tudo. Para mim, jogamos um andebol fantástico e o feedback que recebo dos meus amigos e das pessoas com quem trabalhei na Dinamarca, na Alemanha e na Suécia é sempre de que jogamos um andebol extraordinário e entusiasmante. É sempre agradável ver os nossos jogos, rápidos e cheios de boa técnica. Talvez no futuro possamos ser muito melhores no contra-ataque. É um dos aspetos que queremos melhorar.
"Não preciso de muitas explicações [...]. Bastam algumas palavras e eles [Rui Silva e Miguel Martins] tratam do assunto"
Vê semelhanças entre o Magnus Anderson, um meia distância central com apenas 1,80 metros, e o Rui Silva?
-Alguém da Escandinávia, penso, fez-me essa pergunta há algumas semanas. Vejo muitas características minhas no Rui, é verdade, e também no Miguel [Martins]. São dois "playmakers" realmente muito criativos, que também fazem golos. Facilitam-me a vida. Não preciso de muitas explicações, nem de arranjar uma ferramenta tática. Bastam algumas palavras e eles tratam do assunto.
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