Os presidentes das federações de andebol, basquetebol, hóquei em patins e voleibol uniram-se para resolverem os campeonatos, mas já apontam mais além. E abriram as suas salas a O JOGO para o revelarem em exclusivo
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Desde março que reúnem regularmente por Zoom ou conversam pelo WhatsApp, plataformas que têm permitido uma aproximação inédita entre as quatro modalidades de pavilhão. Miguel Laranjeiro, presidente da Federação de Andebol de Portugal desde junho de 2016, Manuel Fernandes, presidente da Federação Portuguesa de Basquetebol desde 2014, diretor-técnico nacional durante 25 anos e membro do Board da FIBA Europa, Luís Sénica, presidente da Federação de Patinagem de Portugal desde dezembro de 2018 e antigo selecionador nacional, e Vicente Araújo, vice-presidente da Federação Portuguesa de Voleibol desde 2016 (mas já candidato a um cargo de presidente que ocupou 20 anos) e presidente da comissão de voleibol de praia da FIVB, já se uniram para pedir ajuda ao Governo para os seus clubes, para decidirem terminar as competições e agora preparam passos nunca antes dados. Recordando que O JOGO já uniu os selecionadores das quatro modalidades para uma entrevista histórica, abriram-nos as portas (virtuais) para explicar que a melhor forma de reagir a uma pandemia que está a abalar os seus Desportos será preparar o futuro em conjunto.
Os presidentes já se conheciam, mas nunca como agora tomaram tantas decisões em conjunto. Como se iniciou este processo e até onde o pretendem levar?
-Vicente Araújo: Não é a primeira vez que nos juntamos. Somos homens de Desporto, que se conhecem e que, quando temos problemas, se juntam para os resolver. Já tivemos outros: reunimos com o secretário de Estado, ou com a direção da TAP, para resolver outras questões.
-Luís Sénica: Queria reforçar o que o Vicente disse, reforçar a união deste grupo. Partilhamos os mesmos espaços desportivos em Portugal, sabemos a força que temos e que estamos aqui para servir o Desporto português e não para sermos rivais. Trabalhamos no presente face a esta realidade atípica e acreditamos que este é um momento para olharmos para as nossas fragilidades e valorizarmos o que temos. Se percebermos isso, se mantivermos esta união - que vamos manter -, iremos prestar um grande serviço ao Desporto português.
-Miguel Laranjeiro: Estranho seria se não estivéssemos juntos quando os problemas são comuns. Portanto, foi uma associação quase natural. Como o Vicente disse, não é de agora, da semana passada, é de há muitos meses. Isto iniciou-se com um caso concreto, a questão das viagens às regiões autónomas, o problema de a TAP terminar com a tarifa desportiva; e prolongou-se em contactos diversos.
-Manuel Fernandes: Esta união veio para ficar. Não vai ser como na questão das viagens, em que conseguimos juntar-nos para um problema específico e que foi ultrapassado. Agora, a covid-19 deu-nos uma oportunidade para algo que nos passava pela cabeça há muito: sozinhos, de costas voltadas, não vamos a lado nenhum.
-VA: Tínhamos de resolver o problema causado por esta pandemia e que era comum às quatro modalidades. Esta associação é natural e certamente irá acontecer no futuro. Teremos mais comunicados conjuntos. Juntos iremos encontrar as melhores soluções. Respondo já a uma outra questão: não tivemos campeões, mas tudo isso foi ponderado, já nem é tema. Queremos é atuar pensando no apoio aos clubes, e não pensar num caso que já não o é. A decisão não foi tomada de ânimo leve, foi muito ponderada e penso que foi a mais benéfica para as nossas modalidades.
-ML: A nossa preocupação agora é o futuro, como é que estas modalidades, que, como diz o Sénica, partilham os mesmos espaços, desafios e dificuldades, se podem articular. Temos de pensar como será o futuro, o início da próxima época, como serão as próximas épocas face a uma pandemia que não sabemos quando acaba, ou se volta a recomeçar... São tantos os desafios que estranho seria não estarmos a dialogar.
-MF: Estas quatro federações têm a singularidade de jogar no mesmo espaço, terem Desportos com bola e em equipa. Nós também somos uma equipa. Uma equipa que pretende levar o Desporto para níveis superiores. Já estamos a equacionar outras medidas. Se formos ver as nossas fragilidades, elas são muito semelhantes, os principais problemas são comuns. Mas as nossas forças e aspetos positivos também são comuns. Portanto, faz sentido somarmos quatro vezes as tomadas de decisões, teremos mais força e capacidade para nos projetar mais longe. E ainda estamos a uma grande distância daquilo que o Desporto precisa, que é de ser falado a uma só voz, defendido como deve ser.
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Portanto, já pensam além da pandemia?
-MF: O problema é que estamos confrontados com este momento. Agora não há Desporto, não pode haver; primeiro está a saúde, há muita gente doente. Quando isto passar, é altura de pensar, a começar pelo Governo, na importância do Desporto para a saúde. São os clubes que trabalham com os atletas, que favorecem a prática do exercício físico tão recomendada por todos, que vão ficar debilitados. Estamos preocupados com isso. Estivemos agora a conversar sobre medidas a tomar para assegurar a sobrevivência das nossas modalidades. O Estado não pode, de maneira nenhuma, divorciar-se deste aspeto tão central, e estou a falar da saúde e do bem estar da população, mas também das vertentes sociais e económicas. Esta é uma indústria que move muitos trabalhadores e gera muitos impostos. Isso tem de ser levado em consideração. Se o Estado investir no Desporto, cada cêntimo terá um retorno fantástico! Nós os quatro lutamos por isso e queremos mais tarde alargar a outros, há pontos comuns na prática desportiva e muitos em que estamos todos de acordo. Agora é preciso encontrarmos uma estrutura que responda a estas necessidades e fazermos chegar ao Governo, aos partidos políticos e à população a ideia de que o aumento da prática desportiva tem uma importância estratégica para o país. Isso não passa só pelos clubes, passa também pelo Desporto Escolar. Estamos reunidos para dizermos que juntos temos mais força, melhores soluções, trabalhamos melhor e vamos crescer todos. Vamos todos ganhar com esta união! E isto é, de facto, pioneiro.
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Os calendários conjuntos e a falta da televisão
São muitos os assuntos a discutir e alguns ainda levam pontos de interrogação à frente. Mas o Governo vai ter de ouvir as federações, que tocam no ponto fundamental: que Desporto queremos ter em Portugal?
Que assuntos têm discutido agora?
Vicente Araújo: Há algo inédito nesta associação. Ando no Desporto há alguns anos e nunca aconteceu semelhante. Pela primeira vez, andebol, basquetebol, voleibol e hóquei vão fazer conferências de calendário conjuntas, isto é, vamos conciliar calendários de forma a não termos finais de Taças nos mesmos fins de semana, por exemplo. Será a forma de as rentabilizarmos. Isto é inédito e deve ser sublinhado. Terá vantagens enormes para todos. Não nos vamos ofuscar, vamos rentabilizar os nossos pavilhões.
"Vamos conciliar calendários, de forma a não termos finais de Taças nos mesmos fins de semana"
Miguel Laranjeiro: A troca de experiências tem sido uma aprendizagem permanente. O Manuel referiu, e bem, que o país tem de decidir se o Desporto é um desígnio nacional. Hoje este tipo de discussão pode parecer estranha, estamos todos preocupados com uma situação mais grave, mas temos de pensar mais além, se o país quer estar nos primeiros lugares da obesidade da OCDE ou da falta de exercício físico dos países da UE. Ou queremos, com o apoio destas quatro federações, ter um caminho de progresso, de maior atividade física e desportiva organizada,com treinadores e competências que as federações têm? Isso depende do relacionamento que as entidades públicas querem ter com o Desporto. Não será agora, que ainda estamos em maio, mas o Desporto pode ser um elemento para catapultar outra vez a vida. Temos de regressar a uma certa normalidade e o Desporto pode ter essa força. Há princípios básicos que temos que defender. Um é o papel da televisão pública na difusão das modalidades; é um tema comum a todos. Tem ou não o país, através da televisão que é paga por todos nós, de chegar às várias modalidades? E de transmitir os jogos das Seleções Nacionais? Achamos todos que tem, é evidente. E isso é importante para o desenvolvimento do Desporto, na lógica do desígnio nacional. O país pode concluir que o Desporto não interessa nada e assumi-lo; mas, como não acredito nisso, temos de conseguir catapultá-lo para o espaço público.
Luís Sénica: Nós reconhecemos a humanidade do Desporto, o seu papel social, até neste contexto de crise. E, reconhecendo este papel, estas quatro federações têm de contribuir para que ele aconteça. Há uma convergência muito grande em várias ideias, como as relativas à formação. Falámos da televisão e estou completamente de acordo com o Miguel; urge que o canal público perceba o potencial que tem na ação connosco, qual é o seu papel num contexto social - e nós vamos reclamar por ele -, mas também abordamos o contexto formativo. Tem muito valor para nós uma formação conjunta, por exemplo, na área do treino. Esses são temas que este momento permite analisarmos juntos, para podermos acreditar no futuro.
Presidentes já fizeram cinco reuniões e ainda há muito para debater. O epílogo, após a pandemia, já começou a ser combinado: será à mesa, em Sesimbra e talvez com caldeirada e/ou marisco
Os assuntos a debater e o peixe em Sesimbra
O final de conversa com os presidentes foi descontraído. Já lá vão muitas reuniões no Zoom, ainda se irão fazer bastantes mais, mas o dia em que a vida regressar ao normal irá ser devidamente assinalado, a quatro e... na mesma mesa.
Quantas vezes já reuniram nesta fase?
Luís Sénica: Esta foi a quinta reunião, mas digo eu, que já estou cansado. [risos] Não das reuniões, mas desta escravatura digital. É a nova era. Foi a quinta reunião de grupo, mas há telefonemas e e-mails quase diários.
Miguel Laranjeiro: Com as novas tecnologias estamos em reunião quase permanente.
- LS: Se considerarmos esta entrevista uma reunião, será a sexta!
- ML: Certamente vamos ter mais. Há sempre mais temas do que tempo para as reuniões, uns unem-nos completamente, outros parcialmente. Há muita matéria: visibilidade, financiamento, desporto escolar, o regresso, o papel do Estado no Desporto, o que podemos fazer também - não é só pedir -, temos um conjunto infinito de temas para debater entre todos.
-Vicente Araújo: Vamos reunir muitas vezes, acontecerá de forma sistemática, temos muitos assuntos para tratar. Já falei da conferência de calendários e queremos trabalhar nisso.
- LS: Este grupo tem uma característica: além de convergimos todos, há um respeito pela especificidade de cada um. Isso tem estado em cima da mesa e é brutalmente interessante.
Já combinaram o encontro em que vão poder brindar pessoalmente?
- LS: Está implícito. [risos]
- LS: Manuel Fernandes: Já ouvir dizer que é ali para Sesimbra! Cheira-me a caldeirada, a peixe, a marisco...
- LS: Está fechado! O primeiro será em Sesimbra. Só falta encontrarmos a data.
- ML: Esta pandemia ensinou-nos muita coisas, uma delas é que podemos reunir, sem a dificuldade das agendas e das distâncias. Mas não há nada como uma ida até Sesimbra! [risos].
- LS: Havendo liberdade total de ação, está garantido e será com muito gosto que o faremos.
- VA: Até lá ainda vamos ter muitas reuniões.