Ricardo Mestre, João Rodrigues e Amaro Antunes venceram a Volta a Portugal nos últimos anos, dando expressão a um desenvolvimento que extravasa as fronteiras da região.
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Vitórias nas três últimas edições da Volta a Portugal e quatro nos últimos 11 anos transmitem a ideia de que os ciclistas algarvios são, atualmente, os melhores do país.
Rogério Teixeira e Vidal Fitas consideram que o trabalho de formação das equipas, a mudança de mentalidade e o maior acesso ao conhecimento ajudam a explicar as vitórias do trio portista
No registo da década, além de Ricardo Mestre, João Rodrigues e Amaro Antunes - os tais algarvios de que falamos - apenas um outro português, o sobradense Rui Vinhas, conseguiu inscrever o nome no lugar mais alto do pódio da "Grandíssima", interrompendo o domínio dos espanhóis David Blanco, Alejandro Marque, Gustavo Veloso e Raul Alarcón.
"Eles fizeram bem a transição dos escalões de formação para o profissionalismo e isso foi fundamental. Tiraram também partido de as equipas algarvias, nomeadamente o Tavira, trabalharem muito bem nas camadas mais jovens", explica Rogério Teixeira, uma figura do ciclismo algarvio enquanto dirigente, sobre os êxitos dos corredores da região. "Temos mais dois ou três a despontarem, casos do Emanuel Duarte e do Rúben Simão, por exemplo, mas o Mestre, o João Rodrigues e o Amaro são de uma geração fantástica e têm brilhado tanto a nível nacional como internacional. Aliás, não é por acaso que já o demonstraram perante os principais nomes do pelotão mundial, como sucedeu na Volta ao Algarve", diz. Este ano, o êxito de maior impacto internacional foi o de João Rodrigues, primeiro ciclista da casa a vencer a Algarvia, depois de a W52-FC Porto ter levado a melhor numa dura batalha com Ineos e Quick-Step, as duas melhores equipas do mundo.
Para Vidal Fitas, diretor desportivo do Atum General-Tavira e referência incontornável da modalidade, os corredores da região "têm ganho porque surgiram integrados numa geração que é muito boa - caso contrário não ganhavam - e também porque, em relação ao meu tempo de corredor, esta geração tem uma mentalidade diferente", argumenta. "Se calhar, não são melhores ou piores. A geração é que é boa e a isso junta-se a tal mudança de mentalidade e uma melhoria clara das condições de treino".
Passando a explicar, Vidal Fitas sublinha que as equipas evoluíram e são hoje "mais organizadas e com um maior acesso ao conhecimento, o que faz toda a diferença em relação à evolução dos atletas". De resto, diz ainda Vidal Fitas, "a qualidade do algarvio não é de agora", servindo de exemplo Jorge Corvo - que brilhou na década de 60 - e "outras figuras" do ciclismo nacional. "Se no meu tempo a organização e o trabalho das equipas fosse diferente, se calhar outros corredores teriam obtido resultados idênticos", refere, depois de ter competido como profissional pelas equipas de Tavira, entre 1994 e 2004, passando a seguir, com êxito, a diretor-desportivo. Entre 2008 e 2011, levou a equipa algarvia a conquistar por quatro vezes consecutivas a Volta a Portugal - feito só superado pela W52-FC Porto -, a última delas com Ricardo Mestre.
Já Rogério Teixeira lança outra ideia, sublinhando que o clima e as estradas do sul de Portugal, que "são favoráveis", podem ajudar a esse desenvolvimento, bem como a existência de média e alta montanha na região, o que permite diversificar o treino sempre em boas condições. O último dos segredos estará nos grupos de treino: os recentes êxitos da W52-FC Porto têm como base a coesão de Samuel Caldeira, Ricardo Mestre, João Rodrigues, Amaro Antunes e Daniel Mestre, este um alentejano radicado no Algarve. O grupo está habituado a treinos de conjunto há vários anos.
José Martins e Corvo brilharam
O primeiro algarvio a ganhar a Volta a Portugal foi José Martins, natural de Paderne, nos longínquos anos de 1946 e 1947. Rogério Teixeira lembra-se que foi "alvo de uma homenagem, já idoso, na terra natal", mas escasseiam outras memórias. Em relação a Jorge Corvo - obteve três segundos lugares (59, 63 e 64) na Volta, andou de amarelo, ganhou várias etapas e até a Volta a São Paulo - o reconhecimento é outro. "Não ganhou a Volta por pouco, embora fosse um ciclista fabuloso. Se estivesse numa equipa mais forte...", comenta, aludindo aos poderosos conjuntos de Benfica, Sporting e FC Porto, onde pontificavam, na altura, Peixoto Alves, João Roque, Joaquim Leão, Sousa Cardoso e Carlos Carvalho.
Universo limitado a 40 ou 50 ciclistas
"A nível nacional, nunca se elogia muito o trabalho de formação feito no Algarve, apesar de nos depararmos com dificuldades bastantes superiores às registadas no Norte e no Centro, zonas em que o ciclismo tem mais tradição e de onde têm saído a maioria dos grandes valores do pelotão", considera Vidal Fitas, lesto a exemplificar o alcance das suas palavras.
"Nos últimos 11 anos apareceram três algarvios a ganhar a Volta num universo de 40 ou 50 ciclistas, não de 500, como sucede em outros locais do país, cujos aglomerados populacionais são de maior dimensão. Num pelotão de 200 unidades, por exemplo, 180 são dessas zonas", atira, enfatizando a dificuldade de trabalhar com uma base diminuta e elogiando, ao mesmo tempo, o trabalho que tem propiciado os bons exemplos conhecidos.
Seja como for, reconhece Vidal Fitas, também "é sempre mais fácil ganhar-se quando se está numa equipa forte", aludindo ao facto de João Rodrigues e Amaro Antunes terem vencido a Volta ao serviço da W52-FC Porto, o bloco que tem dominado o ciclismo português. "Não quer dizer que não possa suceder o contrário, até porque a modalidade começa por ser individual, só que, depois, é necessário que o coletivo funcione. Vejam-se as vitórias do Amaro e a ajuda que teve, por exemplo, do Rodrigues e do Ricardo Mestre. Quando tens bons gregários para controlar o pelotão, as coisas ficam mais fáceis".
Sobre este ponto, Rogério Teixeira realça que o facto de "integrarem uma equipa poderosa, como é a W52-FC Porto, também dita leis, mas eles já revelaram capacidade suficiente para ganhar a Volta pelo seu valor intrínseco, e estou-me até a lembrar do Amaro, quando respeitou a disciplina da equipa no ano em que venceu o Alarcón".