A seleção que se reinventou e as figuras da evolução do andebol em Portugal
Após uma guerra entre Federação e Liga, o andebol luso baixou de nível, mas conseguiu recuperar nos últimos dois/três anos.
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Depois de alguns anos, nomeadamente no início de 2000, em que a Seleção Nacional de andebol, com a chamada geração de ouro - Carlos Resende, Eduardo Filipe, Paulo Morgado, Ricardo Costa, Rui Rocha, Carlos Galambas e até os russos naturalizados Victor Tchikoulaev e Vladmir Bolotskih, entre outros - conseguiu presenças em Campeonatos do Europa e do Mundo, deu-se um hiato de 14 anos fora desses grandes palcos.
Pelo meio muita coisa aconteceu, com a guerra que a Federação de Andebol de Portugal fez contra a Liga Portuguesa de Andebol, que apenas resistiu sete épocas, entre 2002/03 e 2008/09, a ser a mais nefasta para a modalidade, obrigada a reinventar-se.
A chegada, em 2009/10, de Ljubomir Obradovic a Portugal foi o primeiro grande fator de mudança. "Cheguei ao FC Porto convidado pelo professor José Magalhães, e não se pode falar de evolução do andebol português sem falar nesse grande senhor Magalhães. Nessa dupla que fiz com ele começou a evolução em Portugal, não sei se é prepotente ou não, mas éramos duas pessoas cheias de ideias", recordou o técnico sérvio a O JOGO
"Quando eu dizia: "Magalhães, vamos almoçar, tu pagas", ele já sabia que era importante. E era, pedi-lhe para misturarmos sangue, com jogadores balcânicos, escandinavos, e o professor Magalhães deu a ideia de Cuba. Aí surgiram Quintana, Daymaro, Alexis, Iturriza; deram-se as naturalizações, Portugal cresceu muito e agora está neste nível. Dou os parabéns a Portugal, porque neste momento não tem medo de jogar seja contra quem for", disse ainda o agora selecionador feminino da Sérvia, terminando com uma revelação: "Quando me contratou, Magalhães disse que eu ia ensinar muito ao FC Porto, mas que o FC Porto também me ia ensinar a mim. E é verdade; um clube de uma organização notável e com um grande presidente, o senhor Pinto da Costa."
De facto, a naturalização de alguns atletas cubanos - praticamente toda a seleção caribenha chegou a estar em Portugal - foi outro fator decisivo. Eram os "novos" Tchikoulaev e Bolotskih, entre outros, com uma estampa física incrível e capacidade de aprendizagem tremenda.
Magnus Andersson, mais recentemente, trouxe ainda mais primor ao andebol, igualmente no FC Porto, que teve 11 jogadores no Mundial e agora mais 11 no torneio pré-olímpico.
Houve jogos fundamentais nesta evolução. O primeiro, altamente marcante, foi a vitória do FC Porto sobre o Magdeburgo, para a Taça EHF de 2018/19, época em que os dragões alcançaram uma final a quatro histórica. Depois, a segunda vitória de Portugal sobre a França - a primeira tinha sido em 1980 - , por 33-27, a 11 abril de 2019, foi o desbloquear total de mentalidades, tal como acontecera ao FC Porto frente aos alemães (34-27, a 25 de novembro de 2018).
"O jogo com o Magdeburgo foi um ponto de viragem. Não estávamos habituados a vencer equipas alemãs... Lá estivemos a perder por sete e conseguimos reduzir a desvantagem para três e isso deu-nos a possibilidade de cá termos uma força mental tremenda. Estivemos a vencer por 12 e a partir daí tudo era possível", disse Miguel Martins a O JOGO, outra das figuras deste crescimento do andebol português. "Depois, há o nosso famoso 7x6, que teve muita eficácia e, com ele, bastantes resultados foram conseguidos. Essa estratégia foi aplicada contra a França, e a partir do momento em que ganhámos a uma das melhores seleções do mundo, tudo passa a ser uma questão mental", completou.
A era Paulo Jorge Pereira
Por esta altura já era Paulo Jorge Pereira o selecionador, o primeiro treinador português de andebol a arriscar uma carreira profissional, depois de sair, também dos dragões, em 2005/06, com um campeonato, uma Taça de Portugal e duas Taça da Liga. Abandonou a escola - em Canedo, Vila Nova de Gaia, e o ISMAI -, onde estava nos quadros. Passou pelo Cangas, Espanha, por Angola, Tunísia, Roménia, acumulou experiência e chegou a selecionador nacional, sendo, claramente, outro dos grandes responsáveis por este desenvolvimento.
"Ele é um treinador motivador, mexe com a nossa parte psicológica, faz-nos acreditar na nossa qualidade e que, com a essa qualidade, podemos conseguir coisas boas. Isso faz com que tenhamos confiança de que nos podemos bater com as melhores equipas do mundo, que é o que temos vindo a conseguir, mostra que ele tinha razão na mensagem que estava a passar", descreveu o ponta direita Pedro Portela, do Tremblay, de França, para onde se transferiu depois de largos anos no Sporting.
"Não foi fácil reagir ao que passámos, nem à derrota contra os croatas; aquele jogo com a Croácia deitou-nos muito abaixo, mas, por outro lado, também queríamos muito e acreditávamos. O professor Paulo Jorge passou a mensagem de que era possível, que havia o sonho dos Jogos Olímpicos, não só por nós, como também pelo Quintana", continuou Portela, ele que é um exemplo de mais outro fator para os resultados que a Seleção Nacional tem conseguido: joga fora do país, tal como Gilberto Duarte, Alexis Borges, Luís Frade ou Alexandre Cavalcanti. "No meu caso, amadureci bastante, ganhei muita experiência, sou hoje um jogador muito mais completo e sei que ajudo muito mais a Seleção. Ter atletas a jogar no estrangeiro, e as equipas portuguesas a jogarem competições europeias, ajuda os atletas a chegar à Seleção com outra maturidade", explicou.
Figuras da evolução em Portugal
Ljubomir Obradovic
Sel. feminino da Sérvia
Chegou em 2009/10 para revolucionar o andebol do FC Porto, onde, em seis épocas, conseguiu seis campeonatos. Velocidade e defesa eram a imagem de marca e começou a trabalhar os cubanos.
José Magalhães
Diretor geral do FC Porto
Com Magalhães, diz Obradovic, formou uma dupla imparável. O dirigente que o contratou foi o mesmo que abriu o filão cubano e começou por trazer Alfredo Quintana para o clube.
Gilberto Duarte
Lateral esquerdo do Montpellier
É o jogador português mais reconhecido internacionalmente. Depois de ter sido um dos três heptacampeões no FC Porto, saiu para a Polónia, esteve no Barça e agora no Montpellier
Magnus Andersson
Treinador do FC Porto
A cumprir a terceira temporada no FC Porto e já com o contrato prolongado, Magnus Andersson mudou taticamente os dragões, introduzindo um 7x6 verdadeiramente eficaz.
Alfredo Quintana
Antigo guarda-redes
Foi o primeiro cubano a chegar ao andebol luso, em 2011, tendo feito a primeira partida pela equipa das Quinas no dia 19 de setembro de 2014. Faleceu a 26 de fevereiro com 67 jogos e 10 golos.