Portugal é um país de futebol e durante muitos anos foi também de atletismo e hóquei em patins. Este século tornou-se difícil indicar o segundo desporto dos portugueses e a canoagem quer ocupar esse lugar, pedindo maior investimento. Apesar do baixo número de praticantes, tem argumentos a seu favor. O JOGO diz-lhe quais
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Quando, em janeiro de 2020, O JOGO distinguiu a canoagem como modalidade da década, o melhor estava para vir. Este ano já se celebraram 25 medalhas, entre Europeu, Mundial e Jogos Olímpicos e Paralímpicos, faltando o Mundial de maratonas (a partir do dia 30, na Roménia), que vai elevar a contagem.
Fernando Pimenta como "herói nacional" e 25 medalhas num ano, em Europeu, Mundial e Jogos Olímpicos, são pontas do icebergue. A canoagem já dá dinheiro a ganhar ao país
Os números impressionam, sobretudo quando se percebe que os êxitos chegam de uma modalidade com menos de 3000 praticantes federados e inexplicavelmente secundarizada nos apoios do Estado: em 2020, era a 15.ª nas verbas recebidas do IPDJ (490 mil euros) e apenas 14.ª nos valores do Alto Rendimento (316 mil euros), os que sustentam as Seleções Nacionais. Para este ano, o do recorde de pódios internacionais, essa verba foi cortada em 10%...
"Com cerca de 3000 atletas, somos uma pequena/média federação. Isso tem-nos penalizado no financiamento, mas onde insistimos é nas verbas do Alto Rendimento, que nos deveriam dar condições para ter um grupo de trabalho mais alargado. No recente Mundial tivemos apenas nove atletas e ombreámos com as potências", alertou Vítor Félix, presidente da Federação Portuguesa de Canoagem, focando na sua atual reivindicação: "A canoagem deve ser uma modalidade estratégica para Portugal, pelos planos de água interior e quilómetros de costa que possui, justifica um investimento na massificação. A nossa ideia, de aposta no Alto Rendimento, é sustentada, pois nos últimos três ciclos olímpicos fomos a modalidade com melhores resultados. Falta um apoio de IPDJ, COP e CPP que permita ter mais atletas com experiência internacional. Só podemos levar os melhores e isso impede-nos de ter uma equipa B, para fazer uma renovação tranquila da melhor geração da história. Só com maior financiamento".
Tendo um orçamento anual de um milhão de euros, graças a verbas olímpicas e de patrocinadores, Félix lembra que os êxitos não são exclusivo de Fernando Pimenta, o canoísta das 107 medalhas internacionais, incluindo duas olímpicas e três títulos mundiais. "Ter um grande atleta é uma virtude, não um problema. Muitos outros gostariam de ter um Fernando Pimenta, atleta exemplar, verdadeiro herói do desporto português. Mas, das 25 medalhas deste ano, ele ganhou cinco. Temos muitos outros atletas com pódios, como João Ribeiro, vice-campeão europeu e mundial, José Ramalho, que vai agora ao Mundial, e jovens como Pedro Casinha e Beatriz Fernandes".
As virtudes da modalidade não se esgotam nos pódios. Portugal tem o maior construtor mundial de caiaques e canoas de competição, a Nelo, que exporta 99% dos 4500 barcos que produz por ano e nos Jogos de Tóquio tinha 221 das 250 embarcações. É também a Nelo a organizar os estágios de inverno que juntam em Portugal muitas das maiores equipas mundiais. "Somos um destino de eleição, sobretudo do Leste. A China trouxe 100 pessoas em novembro de 2019 e manteve-os cá até abril. O que estes estágios representam em investimento para o país também prova que deveríamos ser uma modalidade estratégica", completa Félix.
"Podemos ser uma potência"
A dominadora Hungria é o exemplo de "aposta estratégica"
A Hungria tem 9,7 milhões de habitantes, um ordenado mínimo de 487 euros e 511 medalhas olímpicas; Portugal soma 28. Além de uma cultura desportiva superior, os húngaros sempre fizeram apostas claras: esgrima, natação e canoagem. "Têm modalidades estratégicas e mais praticantes", concorda Vítor Félix, que gostava de ver o seu país a seguir o exemplo, embora tendo de superar uma questão política.
"Há modalidades com o triplo do nosso financiamento que não apresentam nem um décimo dos nossos resultados. Nós não vamos aos Jogos Olímpicos para participar, vamos para lutar por pódios", diz, assumindo que Portugal "tem condições para ser uma potência na canoagem", mesmo possuindo apenas 87 clubes. "Eles têm uma boa dispersão geográfica e forte presença nas ilhas. Esse não é um problema". Também no bom caminho está a aprendizagem por via do Desporto Escolar, pois do pioneiro Náutico de Ponte de Lima - o maior clube nacional, em praticantes e títulos - já se passaram para "uns 50 Centros de Formação Desportiva, que temos ajudado, com calendário e uma embarcação mais fácil para os jovens se iniciarem".
O presidente da FP Canoagem garante que dirige "um dos desportos aquáticos mais baratos" e que quem se inscrever num clube pode ser atleta pagando apenas as quotas. "Só há um investimento familiar quando o atleta quer subir de nível e precisa de um caiaque de qualidade superior", explica. "Quando alguém experimenta, a primeira sensação é de felicidade. A ideia que existia de virar o caiaque está desatualizada. Temos tudo para crescer, desde a água aos excelentes treinadores. Só nos falta um maior investimento, para que as boas ideias não fiquem pelo papel", conclui.